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Re: [Archport] Inscrições romanas pintadas. Será sério?

To :   "MNArqueologia/Director - Luis Raposo" <mnarq.director@imc-ip.pt>
Subject :   Re: [Archport] Inscrições romanas pintadas. Será sério?
From :   Rogerio Domingos <rogerio.domingos@gmail.com>
Date :   Mon, 9 Nov 2009 23:38:14 +0100

Caro Dr. Luis Raposo,

Não foi minha intenção fazer uma critica incisiva ao MNA, mas já que
estamos de "mangas arregaçadas", deixe-me esclarecer que a última vez
que visitei o MNA foi há dois (ou talvez três) anos atrás se bem me
recordo, e nessa altura, a exposição de epigrafia latina estava bem
diferente do que é apresentado na fotografia que inclui na sua
mensagem. A sala estava bastante escura, e a iluminação consistia de
spotlights de tons amarelados, que incidiam individualmente sobre cada
lápide - algumas das lápides só podiam ser vista em dois lados, os
outros dois estavam completamente no escuro. Do ponto de vista geral,
estava muito "in", parecia o lobby de um hotel de cinco estrelas ou de
uma galeria de arte, mas como museu cientifico e divulgação ao público
em geral, a exposição falhava bastante, não só pela iluminação como
também pela falta de material didáctico para uso na sala (haviam
algumas folhas plastificadas disponiveis) assimo como para ser levado.
O aspecto do "take away" de informação e imagens é bastante descurado
pelos museus portugueses - e contribui muito para o divórcio que
existe entre os Portugueses e os museus em Portugal, pois os museus,
especialmente os Museus Nacionais, continuam a ser vistos como museus
para as élites da capital.

Eu serei o último a querer ou poder "aconselhar melhores práticas de
conservação e fruição das colecções arqueológicas" - não sou
arqueologo profissional ou museólogo - fiz outras escolhas
profissionais - mas continuo apaixonado pelo tema e participo como
posso. De qualquer forma tenho visitado muito museus de arqueologia
pelo mundo, e permita-me que diga, que enquanto cidadão Português e
"cliente" (isto é, visitante), penso que o MNA - como museu - não
serve minimamente o país ou a arqueologia portuguesa. A área de
exposição é minima, para não dizer insignificante em relação ás
colecções que sei que o MNA guarda, e estruturada para mostrar os
"tesouros" da arqueologia portuguesa. A ideia de se querer continuar a
promover a "arqueologia como procura de tesouros" não serve a
arqueologia que se faz hoje em dia. Temos que abandonar o conceito de
museu como "gabinete de antiguidades".  Eu sei também que o actual MNA
é o sucessor de algo muito mais antigo e o espaço que ocupa nos
Jerónimos traz problemas adicionais (não só de espaços como também de
politiquices com os outros stakeholders nos Jerónimos), e que talvez o
actual MNA seja o melhor que se tem podido fazer dentro dos parâmetros
que existem.

Atrevo-me contudo a dizer que, na minha óptica, o MNA deveria ser
extinto, e as colecções redistribuidas por novos museus regionais de
arqueologia, construídos de raiz, e com amplas áreas de exposição,
para que as exposições sejam maioiritáriamente permanentes e
musealizem adequadamente as colecções arqueológicas da região em
termos cronológicas e por sitios arqueologicos. Posso citar-lhe, a
exemplo, a villa romana de Milreu em Estoi - um conjunto adequadamente
protegido e enquadrado para o visitante, contudo os materiais
arqueológicos que teem vindo a ser recolhidos neste sitio desde o séc
XIX, estão dispersos pelo MNA, Museu de Faro, Museu de Évora e penso
também que num museu na Figueira da Foz (além do que está sómente
armazenado algures). Quem visita Milreu, não tem no Algarve, a
capacidade de visitar um museu que complete a "história" de Milreu
como um dos mais importantes sitios arqueológicos do Algarve.
Visitando o MNA também não o fará, pois só dois bustos encontrados em
Milreu estão expostos no MNA! Quem diz Milreu, diz Torre de Palma,
Miróbriga, Tróia, e muitos outros sitios arqueologicos em Portugal.

Sou de opinião que o conceito de museus de arqueologia terá que mudar
imenso em Portugal - temos que nos afastar de sermos um país de
grandes museus nacionais centrados em Lisboa, assim como dos museus de
paróquia ou de Câmara Municipal, que funcionam como sala de festas e
para sessôes solenes! Seria preferivél termos bons museus regionais,
"perto" dos sitios arqueologicos de onde proveem as peças, museus que
contem uma história para a população que não é arqueológa mas que
poderá ser educada em arqueologia, e porventura passar a ter maior
sensibilidade para a preservação da nossa herança arqueológica.

Não será á toa que temos um primeiro ministro/governo com especial
desprezo pela arqueologia - reflecte a sociedade portuguesa em geral,
que vê a arqueologia como uma ciência de élite para as élites. Os
museus, como apresentadores do produto final da arqueologia não
preservada in situ, têem que mudar a forma como exibem a arqueologia e
terão que fazer marketing como qualquer empresa o faz em conquista do
seu público, e também - e aqui isto é importante - saber ouvir a
opinião dos seus "clientes" (os visitantes) e reagir de acordo - um
museu sem visitantes (ou com números insignificantes) e pouca
visibilidade no mercado cultural, serve sómente para perpetuar a
imagem de que museus são a esfera privada de alguns que são pagos pelo
Estado para fazerem as suas investigações e publicarem obras e
enriquecerem o seu curriculo académico á conta do erário público.

Como disse de inicio, não quero ser incisivo nos meus comentários -
não os interprete dessa forma - mas sómente veicular a minha opinião,
que porventura poderá ser partilhada por muitos dos 10 milhões de
Portugueses que não arqueólogos ou museólogos. Penso que o propósito
da ARCHPORT é a partilha de informação assim como a discussão de
ideias, e dessa forma que subscrevo a lista e nela participo de quando
em quando!

Melhores cumprimentos

Rogério Domingos





2009/11/9 MNArqueologia/Director - Luis Raposo <mnarq.director@imc-ip.pt>:
> Em anexo, aspecto da exposição "Religiões da Lusitânia", onde se expõe
> maioritariamente epigrafia latina, com especiais cuidados de iluminação.
> Esta iluminação das epígrafes tem sido considerada muito positivamente pelo
> público em geral e pelos especialistas.
> O mesmo se diga da secção de epigrafia egípcia.
> Supomos portanto que não seja em relação aos espaços abertos ao público que
> o snr. Rogério Domingos tem tamanhas razões de queixa.
> Já a "reserva do MNA" (e não MNAE) não está aberta ao público, embora seja
> acessível aos investigadores e escolas. Aí, as condições de iluminação são
> efectivamente as gerais de espaços não abertos ao público.
> Aceitamos de bom grado o contributo do prezado snr. Rogério Domingos para
> nos aconselhar melhores práticas de conservação e fruição das colecções
> arqueológicas, nomeadamente as que temos em reserva.
> Trata-se de tema apaixonante, tão velho como Ruskin (da defesa da pureza e
> na dignidade da ruína, enquanto ruína) e Viollet-le-Doc (na defesa do
> restauro pesado, segundo o "espírito da época").
> Proximamente realizar-se-á em Cascais (26 a 28 de Novembro de 2009) um
> Encontro Internacional em que estas matérias deverão certamente ser
> abordadas: "A autenticidade e a identidade nas intervenções do património
> construído". E mesmo sem querer fazer publicidade pessoal, direi que preparo
> agora uma intervenção a fazer ai sobre "A autenticidade em arqueologia: um
> terreno de compromissos".
> Falarei de estátuas pintadas e de monumentos reconstruídos e procurarei
> reflectir em comum sobre as vantagens e desvantagens de cada uma das opções
> de fundo em presença.
> O prezado snr. Rogério Domingos será muito bem-vindo.
> Luís Raposo
> Director do Museu Nacional de Arqueologia (MNA)
>
>
> -----Mensagem original-----
> De: archport-bounces@ci.uc.pt [mailto:archport-bounces@ci.uc.pt] Em nome de
> Rogerio Domingos
> Enviada: segunda-feira, 9 de Novembro de 2009 15:12
> Para: Joaquim
> Cc: archport@ci.uc.pt
> Assunto: Re: [Archport]Inscrições romanas pintadas. Será sério?
>
> No Römisch-Germanisches Museum  em Colónia, um dos museus de
> arqueologia romana mais importantes fora de Itália, todas as
> inscrições romanas estão "pintadas" a vermelho, e segundo me recordo
> ler num quadro explicativo desse museu, terá existido evidência de que
> tal seria também feito no periodo em que essas inscrições foram
> feitas. De qualquer modo, o Doutor José d'Encarnação, mais do que
> alguém em Portugal, será a pessoa indicada para fornecer uma opinião
> de peso neste assunto, no que se refere a Portugal. Pessoalmente, não
> desgosto da "pintura" pois facilita bastante a leitura e apreciação do
> monumenos epigraficos - a experiência na visita á secção de epigrafia
> romana do MNAE em Lisboa é péssima, a sala tem pouca luz e as
> inscrições estão também mal iluminadas o que impossibilita a sua
> leitura!
>
>
> 2009/11/9 Joaquim <jbatista@esg.ipcb.pt>:
>> www.porterrasdoreiwamba.blogspot.com
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