Por graça apenas (o assunto é demasiado sério
para graças, mas enfim…). LR Curiosamente num caso como o indicado, eu
optaria por recolocar os braços no corpo, desde que houvesse absoluta certeza que
seriam os que lhe tinham pertencido. Aqui, estamos perante um outro (porventura
o mais gravoso) efeito das atitudes que tomemos: o da construção de mitologia
de apropriação do presente sobre o passado. Enquanto arqueólogo, prezaria a “verdade”
material da peça, tal como ela chegou até nós; mas vá lá dizer isso a quem se
habitou a ver a Vénus sem braços !... E não se pense que em Portugal estamos
isentos destes problemas, em peças de museus e Mas há alguém que se atreva a desfazer o
mito social e até estragar o negócio da imagem de marca construída ? De:
museum-bounces@ci.uc.pt [mailto:museum-bounces@ci.uc.pt] Na sequência do texto abaixo e como
contribuição acrescento algo que aconteceu numa sessão em que participei como
formador. Em extremo de causa e exactamente para
explicitar o quão "romântica" tende a ser a visão pública destes
problemas coloquei como exemplo a Vénus de Milo, já que todos a conheciam e, a
seguir, coloquei a hipótese de alguém realizar escavações que levassem ao
achamento dos braços de escultura (por hipótese), de tal modo que não se
pudessem colocar dúvidas sobre a relação entre eles e o que conhecemos. A noção que surgiu aos olhos de todos foi
a da absoluta completude do que hoje está no Louvre e que os braços, mesmo
sendo dela, deveriam, quando muito, ficar ao lado sobre um plinto. Sendo um
exemplo de formato bastante clássico e extremo não vale a pena relatar aqui o
resto da conversa pois todos estarão a imaginar os campos que se formaram e os
argumentos utilizados mas, regressando à questão do "património" isto
só demonstra que, embora arrepie, o vaso colorido abaixo mostrado se, por um
lado, fecha imagens já consolidadas entre nós, abre outros mundos de
relação que antes nem eram sonhados. Se uma peça é vista como testemunho
materializado de pensamentos e contextos culturais, então a "devolução ao
seu estado inicial" (coloquei aspas porque tudo isto é muito fluido)
permitiria reflexões e ligações que doutro modo não existirão. Se se mantém e
conserva o testemunho, ter-se-á defronte dos olhos uma "barra do
tempo" aposta sobre uma peça... Enfim, tenho a absoluta certeza que este é
um dos campos de pensamento que interessa manter vivo, mesmo sabendo que a
ciência certa, neste caso será sempre bastante incerta e agradeço a este fórum
o poder dialogar sobre o tema. Francisco Maduro-Dias De:
museum-bounces@ci.uc.pt [mailto:museum-bounces@ci.uc.pt] A questão da “autenticidade” do
património, e especialmente do património arqueológico, é de facto complexa. Trata-se de um tema que me tem interessado
particularmente, tanto por questões teóricas, como por questões práticas. Às
vezes bem práticas e bem angustiantes, como bem sabe quem convive com problemas
de restauro no dia-a-dia de um museu. Pessoalmente encontro-me repetidas vezes
em desacordo com colegas conservadores porque tenho da percepção da peça
arqueológica o olhar epistemológico do arqueólogo. Não é nem melhor, nem pior
do que o dos outros; é simplesmente o meu e o da disciplina em que me situo;
mas tem de ser negociado com o dos outros, porque viver em sociedade é viver em
sistema de negociação permanente. Na troca de comentários anteriores, sob a
epígrafe que continua a encimar mais este, optei intencionalmente por não
comentar a questão concreta colocada (de forma algo infeliz como ele próprio
depois reconheceu) pelo meu amigo Mas, descontados os excessos, percebo a
perplexidade dele; assim como percebo os argumentos sensatos que mais tarde
invocou (podem / devem reorganizar-se museus, valorizar-se monumentos, etc. sem
o incitamento à participação activa das comunidades locais e sem ter em conta
as suas expectativas, por cândidas que sejam ?). Não me posso pronunciar sobre as opções
concretas tomadas na Idanha, porque desconheço o percurso seguido e os
objectivos visados. De resto, sendo um dos intervenientes o José
d’Encarnação, isso constitui à partida garantia de reflexão séria e
ponderada. A minha posição, por defeito talvez, tem
sido sempre, e continua a ser a de desconfiar de posturas que tenham por base a
tentativa de fazer regressar as peças aos seus estados originais. Uma peça arqueológica, ou um sítio
arqueológico, são, como dizia Lewis Binford, uma realidade do presente. Tal
como uma pessoa é aquilo que é em cada fase da sua vida. E o princípio mais
geral deverá ser, quanto a mim, o de preservar as coisas tal como elas chegaram
até nós. Mas não entendo este princípio de forma
absoluta. Os vestígios arqueológicos podem e devem servir muitas apropriações
contemporâneas, algumas das quais, as mais patrimonialistas, poderão conduzir a
reconstituições pesadas, guiadas pela procura do Graal, quer dizer, pelo
regresso ao “estado original”. Trata-se de uma demanda algo ingénua; mas
não o é menos do que a pretender que a ruína ou o resto arqueológico são
“autênticos”. Enfim, a problemática em referência é
extremamente complexa e pode haver, diria mesmo que há, lugar para todas as
abordagens. Desde que reflectidas, conscientemente assumidas e socialmente
suportadas. Dá-se o caso de estar actualmente a
finalizar uma comunicação sobre a matéria. Da ampla documentação disponível retiro
abaixo apenas uma imagem que nos mostra o actual e o original (cientificamente
inferido, com todo o rigor) de uma mesma peça grega. Estaremos nós dispostos
nos nossos museus a fazer regressar os nossos objectos às suas respectivas
purezas originais ? Incluo também as conclusões gerais da minha
comunicação em referência no desejo de que possam melhor explicitar o meu
pensamento sobre estas tão complexas matérias. A autenticidade em
arqueologia: um terreno de compromissos Conclusões: A percepção social de qualquer ruína, maxime de qualquer vestígio arqueológico,
constitui sempre um compromisso entre “autenticidade” (original) e
“restauro” (moderno), sendo que ambos contêm um componente de
recriação contemporânea. Existem tendencialmente duas vias de
aproximação à ruína: -a da mínima intervenção (no limite, o
ruinismo de John Ruskin) -a da máxima intervenção (no limite, a
reconstrução total e ideal de Viollet-le-Duc) O favorecimento de uma ou outra opção
resulta do ambiente social em cada época. A conservação / patrimonialização não
constitui a única via de utilização social dos bens arqueológicos. Entendidos
como fontes de conhecimento, estão sujeitos à metodologia arqueológica, que
muitas vezes é destrutiva. Em termos patrimonialistas, mantêm-se por
enquanto válidos os principais gerais e as diferentes modalidades de
intervenção recomendadas pelas sucessivas cartas sobre restauro. O recurso às diferentes modalidades de
intervenção recomendadas depende muito de cada situação concreta tanto no plano
técnico como sobretudo no plano político em sentido lato (o uso que a polis entende fazer da ruína). O princípios da “mínima
intervenção” é um dos mais sedimentados na teoria patrimonialistas da 2ª
metade do século XX. Mas assiste-se hoje a um retorno a concepções de
intervenção muito pesadas, já não por opção política de afirmação do Estado
napoleónico central (como no tempo de Viollet-le-Duc), mas por rendição às
“forças do mercado”, especialmente ao turismo de massas e à sociedade
do espectáculo (a chamada “cultura dos eventos”). De:
museum-bounces@ci.uc.pt [mailto:museum-bounces@ci.uc.pt] Este é apenas um comentário, sem toda
a profundidade analítica que o tema mereceria, mas, mesmo assim, aqui vai: Gostaria de salientar aqui o modo como uma
"eterna", digamos assim, questiúncula entre museólogos e
conservadores/restauradores foi resolvida e ultrapassada. De facto, tende-se a esquecer, por
vezes, que o papel fundamental de um museu passa pela sua relação com
diversos e variados públicos e interesses. Sem peças o museu não poderá existir,
mas sem comunicação também não é museu. É armazém de possível e
provável património cultural envolvido em teias de aranha. Ora, se é facto que, alterando peças,
pode-se estar a alterar os suportes de memória e de investigação, uma
intervenção cuidada como esta é fundamental, em benefício dessa mesma memória e
investigação. Aliás, noutro contexto e por outro lado, a
ideia da "magnífica brancura clássica" é um conceito romântico do XIX
mas não era assim na antiguidade mediterrânica clássica... Mas essa magnífica brancura acabou também
por se tornar um conceito que igualmente merecerá suporte de memória... Enfim, gostei de ler e saber que ainda há
museólogos neste País. Obrigado Francisco R. Maduro-Dias De:
museum-bounces@ci.uc.pt [mailto:museum-bounces@ci.uc.pt]
A propósito desta questão, refiro o
exemplo do Sabia-se que muitas inscrições
romanas eram pintadas, para uma boa visualização do seu texto, e conheciam-se
os valores de autenticidade postulados pelos critérios de conservação
patrimonial internacionalmente reconhecidos, com que esta prática poderia
colidir. No entanto, algumas das peças torrienses eram de tal modo ilegíveis,
que inviabilizavam o desempenho do seu papel museológico fundamental,
na comunicação com os visitantes. A eventual pintura de
inscrições deve ser analisada casuisticamente, devendo apenas ser assumida
quando as peças não são legíveis de outra forma e quando se encontram em
determinados contextos museológicos ou pedagógicos, como é o caso de Idanha a
Velha. Mas mesmo nestes casos, é necessário garantir, de acordo com a análise
individualizada das peças, que toda a intervenção é passível de total
reversibilidade. O que implica, para além de técnicas de intervenção
apropriadas (utilizando produtos isoladores) que as epígrafes possuam
adequadas condições intrínsecas (não pintámos peças em arenito) e se
encontrem em ambientes perfeitamente controlados. Em Torres Vedras contámos com o
apoio técnico do Museu de Conímbriga, ponderando sempre as vantagens e
desvantagens do procedimento. Apesar de uma ou duas vozes discordantes, o
processo foi praticamente pacífico. Isabel Luna To : "archport" <archport@ci.uc.pt> Subject : Re: [Archport] Inscrições romanas pintadas.
Será sério? From : Date : Mon, 9 Nov 2009 15:14:05 -0000
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