Prefeitura de SP tenta abafar descobertas
arqueológicas para acelerar obra
Rodrigo Bertolotto
Do UOL Notícias, 18/01/10, São Paulo
A entrada de jornalistas ou de câmeras está proibida pela Emurb
(Empresa Municipal de Urbanização). E os arqueólogos foram advertidos para não
darem entrevista. No lugar de exibir os achados que revelam o passado de São
Paulo às vésperas de seu 456º aniversário, a prefeitura paulistana prefere
silenciar sobre os trabalhos arqueológicos que estão sendo feitos na
reurbanização do largo de Pinheiros para receber uma estação de metrô.
"A cidade obedece ao mercado. A modernização de Pinheiros tem
o desenho da especulação imobiliária. A reforma não é para a população do
bairro. Por isso, é mais fácil desqualificar como caquinhos os objetos
encontrados, de clara importância histórica", opina o arqueólogo Paulo
Zanettini, sócio de uma empresa de resgate arqueológico e especialista nos
sítios paulistanos.
Já foram encontradas louças holandesas, francesas e inglesas, bem como garrafas
do século 19, mostrando que a vocação comercial da área é antiga. Mas a única
forma de saber isso é passar na calçada esburacada no número 700 da rua Fernão
Dias. Lá, espremidos entre tábuas de madeira compensada e os pontos de ônibus
para Cotia, dois cartazes contam o que acontece por lá.
Os pedestres passam sem ler sobre o aldeamento que os jesuítas fizeram na área
até 1640 com os índios guaianás, nem sobre as porcelanas Maastrich ou
Sarreguemines usadas pelos habitantes do passado. É fácil ver as placas publicitárias
de "compra-se ouro" ou "exame médico demissional" que se
espalham pelo largo.
O pano de fundo do ocultamento do resgate arqueológico é o atrito entre
Prefeitura paulistana com o Iphan (Instituto do patrimônio Histórico e
Artístico Nacional). Uma denúncia anônima ao órgão vinculado ao Ministério da
Cultura fez as obras de Pinheiros pararem em meados de novembro.
Pedreste
passa diante de cartaz com achados no sítio urbano
Desde
2002, toda a obra de porte em região de potencial histórico deve ser
inspecionada por especialistas, assim como acontece com o obrigatório relatório
de impacto ambiental. Isso é determinado pela portaria federal 230. Pela
extensão e localização, a reurbanização de Pinheiros, que inclui mais de uma
dezena de quarteirões, entra facilmente no caso.
A Emurb, por meio de sua assessoria de imprensa, disse não conhecer essa
legislação. A arqueóloga Luciana Juliani, proprietária da empresa A Lasca de
prospecção, diz acreditar que a empresa não agiu errado. "A Emurb achou
que não estava agindo mal porque não foi cobrada antes", afirmou.
Um mês depois de parte das obras parada para o resgate histórico, porém, a
prefeitura convocou jornalistas para desqualificar os objetos encontrados,
apontando que não passavam de pedaços de ossos, ferraduras e utensílios
domésticos dos anos 1950, desgastados pelo tempo e sem valor histórico. O
arqueólogo responsável, Plácido Cali, saiu prontamente para desmentir,
mostrando achados de dois séculos atrás. E a tendência é achar coisas mais
antigas, afinal, a cada 50 centímetros para baixo se recua um século.
"É por desconhecimento que se julga que a arqueologia existe para
descobrir civilizações e múmias. Os grandes achados são raros. Nossa função é
revelar como era o cotidiano do passado", disse Juliani.
Zanettini concorda com ela. "A arqueologia revela a história que foi
esquecida, a história das pessoas comuns, não aquela contada nos livros de
história, que relata bem só a elite de poder. Os cacos que a gente encontra
falam de um cotidiano que as fotos e os textos não revelaram."
E o sítio de Pinheiros foi revelador, com um depósito de garrafas enterradas
que apontam a presença por ali de uma taberna do início do século 19.
É sintomático que a revitalização da área queira apagar as pessoas comuns do
presente e do passado. O novo desenho do local será elo para o eixo
endinheirado que une bairros como Brooklin, Itaim e Jardins ao Alto de
Pinheiros, Alto da Lapa e Vila Madalena.
O plano do prefeito Gilberto Kassab (DEM) era inaugurar a primeira parte do
novo largo em julho de 2010, mas os arqueólogos acreditam que as escavações
podem acabar só no final do ano.
Tendo como pano de fundo as eleições gerais deste ano, há quem veja um embate
político no embargo do Iphan. A postura da Emurb de tentar abafar o assunto
mostra o tamanho do desgaste que a polêmica causou para a prefeitura, Kassab e
seus aliados políticos, afinal, a reurbanização de Pinheiros seria inaugurada
simultaneamente a entrega da estação de metrô Faria Lima, que deve sair antes e
há tempo de ser exibida no horário político dos políticos envolvidos com a
obra.
E na futura praça do largo de Pinheiros não espere referência aos achados
arqueológicos.