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[Archport] Pompeia, cidade (arqueológica) sem lei

To :   archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Pompeia, cidade (arqueológica) sem lei
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Thu, 28 Jan 2010 21:51:06 +0000

28/01/2010

Pompeia, cidade (arqueológica) sem lei

Miguel Mora
Em Roma
Luiz Roberto Mendes Gonçalves

A Proteção Civil, órgão dirigido pelo secretário de Estado Bertolaso, que depende de Berlusconi, tem todo o poder nas famosas ruínas. O Fórum Romano, a Galeria dos Uffizi em Florença e a Pinacoteca de Brera em Milão estão sob comissários nomeados por Berlusconi.

 

Pompeia, a cidade romana sepultada pelas cinzas do Vesúvio, Patrimônio da Humanidade protegido pela Unesco desde 1997, continua sofrendo, dois mil anos depois, o abandono e a imperícia das autoridades. Sob o assédio da Camorra, que interfere no sítio arqueológico e edifica onde bem entende, a gestão de Pompeia foi entregue no verão passado pelo governo a um comissário extraordinário, um diretor da todo-poderosa Proteção Civil, dotado de atribuições especiais.

Justificada como a solução para a "grave degradação" e o "estado de risco" que ameaça a área, a gestão do comissário Marcello Fiori primou pela espetacularidade e a superficialidade, mais que a qualidade e a segurança, segundo especialistas e trabalhadores em campo. "Pompeia, com 2,5 milhões de visitantes e 20 milhões de euros de receitas por ano, é administrada hoje com um estilo espetacular e populista incompatível com o tempo, quase sempre lento e ingrato, da arqueologia", resume um funcionário do sítio que pede para manter o anonimato.

O sintoma mais claro é que entre os 600 trabalhadores de Pompeia reina a "omertà" (lei do silêncio da máfia). Só os sindicalistas falam, de fora, com nome e sobrenome. O resto não revela sua identidade por temor às represálias. Um incidente misterioso, quase transformado em assunto de Estado pela direção, que, segundo os trabalhadores, tentou minimizar danos muito graves, fez eclodir no sítio arqueológico uma tensão latente há meses. No dia 14, uma obra implementada a toda pressa em turnos de sete dias, segundo os sindicatos, para dar brilho à iminente visita ao local de um político (não está claro se o presidente Giorgio Napolitano ou o primeiro-ministro Silvio Berlusconi), causou a derrubada de dois muros, um de 30 metros e outro de 20, duas paredes de casas antigas, segundo algumas fontes decoradas com afrescos, vieram abaixo.

O sindicalista Gianfranco Cerasoli, da UIL, explica que a obra foi decidida pelo comissário Fiori e afetava a zona da Via de La Abundancia, onde se encontram a Casa dos castos amantes - descoberta em 1987 e fechada com andaimes desde então -e a Casa de Polibio. "Colocaram um guindaste muito grande sobre uma terraplenagem frágil, e com a chuva o guindaste caiu sobre o muro que cerca a ilha da Casa dos castos amantes; este por sua vez derrubou uma parede contígua", explica Cerasoli. O comissário Fiori negou que os prejuízos tenham sido graves, desmentiu que tivessem sido causados por um guindaste e os atribuiu às fortes chuvas. Seguindo milimetricamente a linha oficial, Fiori preferiu anunciar que "em fevereiro será possível ver a escavação da Casa dos castos amantes através de um plástico transparente e um sistema de câmeras de televisão". O diretor da escavação de Pompeia, o arqueólogo Antonio Varone, acusou os sindicatos de alarmismo e minimizou o percalço, limitando-o a um "pequeno escorrimento de terras".

Mas a denúncia parte da prestigiosa associação privada Italia Nostra, que cuida do patrimônio cultural. A Italia Nostra fala de "omertà" e de "distorções" na gestão e exigiu "transparência imediata". Uma funcionária do parque dá sua versão enquanto se afasta do escritório para falar sem ser ouvida. "Temos medo, o clima aqui é de intimidação. Não sabemos sequer que danos reais houve, porque a ordem é não falar e nem sequer deixaram os técnicos entrar para tirar fotos."

Os sindicatos explicam que as obras em curso custarão 33 milhões de euros e que no dia 20 o comissário aprovou uma verba de 200 mil euros para reparar os danos. Além disso, indicam que 12 dias depois do incidente não se havia mandado o relatório regulamentar ao diretor-geral do ministério, Stefano De Caro.

Segundo Bagio De Felice, do sindicato CGIL, "a atuação de Fiori e a falta de reação do ministério dirigido por Sandro Bondi revelam que o Estado desistiu de cuidar do patrimônio de Pompeia e Nápoles e confirma o fracasso da política cultural".

"Nesse deserto faz carreira a suposta eficácia da Proteção Civil, que usa os mesmos métodos em Pompeia que em l'Aquila (a localidade atingida por um terremoto na região dos Abrúzios). Entre nós circula esta piada: 'Vocês chegaram 2 mil anos atrasados à erupção, agora não precisam ter pressa'."

Fiori é um homem versátil e de comprovada capacidade de trabalho. Mas os técnicos duvidam que seja o homem de que Pompeia precisa. "É um lugar muito delicado, não se podem fazer obras como se fosse uma rodovia", salienta Pietro Giovanni Guzzo, responsável estatal pelo sítio de 1994 a 2009. O arqueólogo salienta que "em Pompeia o mais importante é combater a infiltração da Camorra, que constrói residências ilegais onde quer e controla os negócios na região". Segundo o jornal "L'Unità", que revelou o incidente, um comerciante da área, Nicola Mercurio, se transformou no "braço-direito de Fiori". Em junho de 2009 a polícia de Nápoles descobriu um túnel secreto de 30 metros cheio de objetos roubados, que ia da escavação até uma residência próxima.

A Proteção Civil, órgão dirigido pelo secretário de Estado Bertolaso, que depende diretamente da presidência do governo, tem todo o poder em Pompeia. O Fórum Romano, a Galeria dos Uffizi em Florença e a Pinacoteca de Brera em Milão estão sob comissários nomeados por Berlusconi e Bondi. Muitos italianos veem Bertolaso como uma espécie de vice-rei. Tem influência com Berlusconi, manipula volumes crescentes de dinheiro e gera tanta admiração quanto receio. Talvez por isso, quando a parede romana caiu entre as 9 e as 10 da manhã do dia 13, ninguém teve a coragem de denunciá-lo. Entretanto, o guindaste foi retirado da região e o artigo 117 da Constituição, que confere ao Estado a competência exclusiva pela tutela do patrimônio, parece ter ficado em suspenso.


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