[esclarecimento
apresentado durante as VIII Jornadas Anuais do ICOM Portugal, em 29 de Março de
2010] MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA:
mudar, só para melhor Uma vez que foi anunciada a intenção de fazer transitar rapidamente o
Museu Nacional de Arqueologia (MNA) para a Cordoaria Nacional (CN),
destinando-se o espaço dos Jerónimos à ampliação do Museu de Marinha ou a um
novo museu, o Museu da Viagem, julgo já ser altura de dizer o que penso sobre o
assunto. A tal me conduzem os deveres que tenho para com os visitantes, o Grupo
de Amigos do MNA, as comunidades científicas e museológicas a que pertenço e
sobretudo para com a minha própria consciência pessoal. Vejo, aliás, que o tema
mobiliza as comunidades da arqueologia, da museologia e do património e começou
a interessar os media. Ainda bem,
porque o futuro de uma instituição centenária desta natureza é um assunto de
cidadania, que ninguém poderia esperar, muito menos desejar, ficasse escondido
dentro de gabinetes. Como tenho repetido noutras ocasiões (v. por exemplo Publico, 23-12-2006), não sou, em
absoluto, contra a transferência do MNA para outras instalações. Pertenci a
equipas que procuraram essas alternativas e elas chegaram a estar prefiguradas
Não posso deixar de considerar ser pena que se deitem agora à rua as
dezenas, ou porventura centenas, de milhares de euros assim gastos. Mas, enfim,
se a opção é de mudança de instalações, então o que importa assegurar é que ela
seja claramente para melhor. Não podendo ser para edifício novo, pois que seja
para um edifício histórico prestigiado, bem situado e sobretudo adequado às
necessidades de um museu moderno, mormente daquele que é um dos mais visitados
do Ministério da Cultura, o que possui colecções mais volumosas e vastas e ainda
o que tem maior número de bens classificados como ?tesouros nacionais?. E já
agora, quanto ao espaço deixado livre nos Jerónimos, que se execute nele um
projecto cultural que realmente valha a pena e honre a
Democracia. Ora, devo confessar que, não obstante a atitude positiva que sempre tenho
em relação à mudança, o espírito construtivo e colaborante a que minha posição
funcional me obriga e ainda a esperança que depositei na orientação política
traçada pela actual Ministra da Cultura, tenho agora dúvidas que estes
desideratos sejam de facto assegurados. Em Novembro e Dezembro passados, após reuniões tidas com a tutela do MNA
e directamente com a senhora Ministra da Cultura, foi traçado um caminho que me
pareceu e continua a parecer sério e viável, a
saber: -mandar executar estudos geotécnicos, sob direcção de entidade idónea
(que a senhora ministra anunciou à imprensa ser o LNEC), garantidores da
viabilidade e condições de instalação do MNA na CN; destes estudos resultariam
as obras de engenharia que fossem consideradas como condições prévias a qualquer
projecto de arquitectura; -execução de um projecto da arquitectura arrojado, respeitador da
Cordoaria (ela própria classificada como monumento nacional e merecedora de todo
o respeito) e do programa museológico do MNA; -afectação de toda a CN ao MNA, reconfigurado institucionalmente de modo
a incluir alguns serviços de arqueologia do Ministério da Cultura que nele
poderiam desejavelmente ter lugar; -não instalação antecipada na CN de serviços do MC, de modo a que o
espaço estivesse totalmente disponível para a execução do projecto de
arquitectura; correlativamente, não havendo necessidade de ocupação da CN por
parte da Cultura, não entrega adiantada à Marinha de espaços nos Jerónimos,
mantendo aqui o MNA toda a sua capacidade operacional, até que pudesse ser
transferido para a CN, em boa e devida ordem. Nos últimos dois meses parece que toda esta estratégia foi abandonada,
sem que se perceba muito bem porquê. Talvez apenas pelo que se quer fazer nos
Jerónimos e não propriamente pelo interesse na melhoria do MNA. Importa recordar
que a ideia de afectar o sector oitocentista dos Jerónimos em exclusivo à
Marinha, de forma clara (ampliação do Museu de Marinha) ou encapotada (Museu da
Viagem, colocado em instalações alienadas para a Marinha, bem diferente do que
seria um tal museu antropológico e civilista, sob tutela exclusiva da Cultura),
limita-se a ressuscitar o antigo projecto do Estado Novo, sob impulso do
almirante Américo Thomaz, que teve golpe de finados quando o Conselho da
Revolução, em Janeiro de 1976 (no rescaldo do 25 de Novembro e quando País
corria o risco de uma deriva cesarista), entendeu publicar um decreto hoje
risível, no qual se impunha a transferência para a Marinha de todos os espaços
dos Jerónimos não afectos ao culto. É irónico que este projecto seja retomado
agora, mas? é a vida. Na condição em que subscrevo este texto, apenas me cumpre
assinalar esta entorse cívica. Todavia, na mesma condição, cumpre-me mais,
cumpre-me denunciar a extraordinária situação para que um museu mais do
centenário e um acervo tão vasto e estruturante para o País são atirados,
tratados como meros empecilhos para que uma opção política de regime possa
rapidamente ser executada. Em ditaduras terceiro-mundistas não se faria
diferente. Quanto ao edifico da CN o problema não é tanto político mas técnico e
altamente complexo, fazendo todo o sentido os cuidados na sua abordagem, acima
sumariados. Trata-se de uma proposta que tem meio século, ressurge ciclicamente
e foi sempre recusada com base em pareceres técnicos credíveis. Mudaram
entretanto as circunstâncias ? Talvez. Mas apenas se alguém com competência
bastante puder agora garantir a inexistência ou o adequado controlo dos riscos
sísmicos, de inundação, impacte de marés, etc. que são reconhecidos naquele
preciso local (edificado sobre o estuário do rio Seco num local, ?Junqueira?,
que significa pântanos de juncos) e arriscam conduzir a uma catástrofe para o
acervo histórico nacional que o MNA guarda. E se outro alguém garantir depois a
mobilização dos meios financeiros suficientes para a profunda requalificação do
quarteirão inteiro da CN, onde nalguns sectores se verifica uma quase ruína e
noutros as coberturas são em telha vã, os pavimentos são irregulares, estão
saturadas em sais marinhos, etc., etc. Ora, a única coisa que até aqui me foi
apresentado em sentido tranquilizador, foi um parecer dado a título individual
por um antigo técnico LNEC, certamente competente, mas que não responsabiliza
mais do o seu autor. O Grupo de Amigos do MNA obteve estudo de outro técnico
muito credenciado e que vai em sentido contrário; eu próprio recolhi pareceres
de dois dos mais reputados especialistas portugueses em engenharia sísmica ? e
todos concordam em alertar para o risco efectivo e elevado que existe no local
da CN. Talvez assim se compreenda melhor porque atribuo a esta matéria tanta
importância. Talvez se entenda porque não posso em consciência, neste momento,
considerar como definitivamente adquirida a transferência do MNA para CN. E, por
outro lado, também assim se possa melhor perceber porque considero inaceitável
executar desde já o despejo de parte do MNA nos Jerónimos ? situação que seria
sempre anómala (e desnecessária, porque não existem agora pressões para colocar
quaisquer serviços da Cultura na CN), porque o que faria sentido, conforme o
acordado inicialmente, era que o Museu apenas desocupasse os espaços actuais
quando mudasse de instalações, após as obras profundas de arquitectura a que a
CN deverá inevitavelmente ser submetida. Continuo, pois, a aguardar a apresentação pública de estudos que garantam
a segurança do acervo do MNA na CN. Aguardo, logo depois, a abertura de concurso
público ou o convite a arquitecto consagrado para desenvolver o projecto que se
impõe, tudo isto sem esquecer os estudos urbanísticos da zona envolvente, de
modo a precaver, e potenciar, o fluxo das várias centenas de milhar de pessoas
que passarão anualmente a frequentar uma zona em que se irão colocar lado a lado
os dois mais visitados museus do Ministério da
Cultura. No entretanto, o MNA continuará a servir da melhor forma que puder os
seus utilizadores, no cumprimento do programa cívico que Leite de Vasconcelos
concebeu e Bernardino Machado adoptou. As iniciativas públicas já tomadas em
torno do futuro do MNA, com especial relevo para o espírito combativo
demonstrado pelo nosso Grupo de Amigos e para os oferecimentos de activa
solidariedade por parte de personalidades as mais diversas, das associações
científicas e profissionais, das universidades e das autarquias, reconfortam-me
e dão fé de que a sociedade civil não está
adormecida. Luís Raposo Director do Museu Nacional de Arqueologia, 29 de Março
de2010. |
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