Não posso deixar de expressar a minha total solidariedade com a
posição aqui expressa, e assumida de forma corajosa e responsável pelo Dr. Luís
Raposo no cumprimento da obrigação de defender o Museu Nacional de Arqueologia. Vivemos uma profunda crise de regime, em que decisões
politiqueiras e oportunistas têm ultrapassado decisões técnicas e
fundamentadas, sem respeito por ideias, pessoas ou pelo próprio futuro do nosso
país. A alienação e destruição das instituições tem sido rápida e constante.
Infelizmente destrói-se num ápice o que levou anos a construir, muitas vezes
perdendo-se irremediavelmente um património que é de todos. Ficarão no futuro bem identificados os autores dessa destruição,
que por oportunismo ou complacência encabeçam ou apoiam decisões infundadas. E ficarão também identificados aqueles que desassombrada e
corajosamente levantam a sua voz e assumem posições para defender o que é de
todos nós, como o faz o Director do MNA. Sempre pensei que o Museu não necessitava de defesa, tendo em
conta o seu património e a sua história, a sua enorme e profícua actividade, a
elevada qualidade dos seus funcionários, desde o seu fundador ao seu actual
Director, a excelente imagem que tem, nacional e internacional. Afinal
enganei-me. Tenho ainda esperança que o bom senso prevaleça. Mudar, só para melhor! V. M. Borges From:
museum-bounces@ci.uc.pt [mailto:museum-bounces@ci.uc.pt] On Behalf Of LRaposo [esclarecimento apresentado durante as VIII
Jornadas Anuais do ICOM Portugal, em 29 de Março de 2010] MUSEU
NACIONAL DE ARQUEOLOGIA: mudar, só para melhor Uma
vez que foi anunciada a intenção de fazer transitar rapidamente o Museu Nacional
de Arqueologia (MNA) para a Cordoaria Nacional (CN), destinando-se o espaço dos
Jerónimos à ampliação do Museu de Marinha ou a um novo museu, o Museu da
Viagem, julgo já ser altura de dizer o que penso sobre o assunto. A tal me
conduzem os deveres que tenho para com os visitantes, o Grupo de Amigos do MNA,
as comunidades científicas e museológicas a que pertenço e sobretudo para com a
minha própria consciência pessoal. Vejo, aliás, que o tema mobiliza as
comunidades da arqueologia, da museologia e do património e começou a interessar
os media. Ainda bem, porque o futuro de uma instituição centenária desta
natureza é um assunto de cidadania, que ninguém poderia esperar, muito menos desejar,
ficasse escondido dentro de gabinetes. Como
tenho repetido noutras ocasiões (v. por exemplo Publico, 23-12-2006),
não sou, em absoluto, contra a transferência do MNA para outras instalações.
Pertenci a equipas que procuraram essas alternativas e elas chegaram a estar
prefiguradas em sucessivos PDMs de Lisboa (Alto do Restelo, Alto da Ajuda,
terrenos anexos ao CCB, etc.). Tendo falhado todas estas hipóteses, optei na
última década – e com eu todas as direcções do Instituto de tutela - por estudar,
primeiro, e depois propor projectos de arquitectura muito sólidos, da autoria
de Carlos Guimarães e Luís Soares Carneiro, alicerçados em sondagens e estudos
geológicos realizados sob supervisão do Laboratório Nacional de Engenharia
Civil (LNEC), visando a ampliação do MNA nos espaços já ocupados nos Jerónimos.
Estes estudos e projectos foram desde 1998 acolhidos por todos os governos que
precederam a actual legislatura e chegaram ser formalmente adoptados por um
primeiro-ministro, que anunciou o calendário da sua execução. Não
posso deixar de considerar ser pena que se deitem agora à rua as dezenas, ou porventura
centenas, de milhares de euros assim gastos. Mas, enfim, se a opção é de
mudança de instalações, então o que importa assegurar é que ela seja claramente
para melhor. Não podendo ser para edifício novo, pois que seja para um edifício
histórico prestigiado, bem situado e sobretudo adequado às necessidades de um
museu moderno, mormente daquele que é um dos mais visitados do Ministério da
Cultura, o que possui colecções mais volumosas e vastas e ainda o que tem maior
número de bens classificados como “tesouros nacionais”. E já agora,
quanto ao espaço deixado livre nos Jerónimos, que se execute nele um projecto
cultural que realmente valha a pena e honre a Democracia. Ora,
devo confessar que, não obstante a atitude positiva que sempre tenho em relação
à mudança, o espírito construtivo e colaborante a que minha posição funcional me
obriga e ainda a esperança que depositei na orientação política traçada pela actual
Ministra da Cultura, tenho agora dúvidas que estes desideratos sejam de facto
assegurados. Em
Novembro e Dezembro passados, após reuniões tidas com a tutela do MNA e
directamente com a senhora Ministra da Cultura, foi traçado um caminho que me
pareceu e continua a parecer sério e viável, a saber: -mandar executar estudos
geotécnicos, sob direcção de entidade idónea (que a senhora ministra anunciou à
imprensa ser o LNEC), garantidores da viabilidade e condições de instalação do
MNA na CN; destes estudos resultariam as obras de engenharia que fossem
consideradas como condições prévias a qualquer projecto de arquitectura; -execução de um projecto
da arquitectura arrojado, respeitador da Cordoaria (ela própria classificada
como monumento nacional e merecedora de todo o respeito) e do programa
museológico do MNA; -afectação de toda a CN
ao MNA, reconfigurado institucionalmente de modo a incluir alguns serviços de
arqueologia do Ministério da Cultura que nele poderiam desejavelmente ter
lugar; -não instalação antecipada
na CN de serviços do MC, de modo a que o espaço estivesse totalmente disponível
para a execução do projecto de arquitectura; correlativamente, não havendo
necessidade de ocupação da CN por parte da Cultura, não entrega adiantada à Marinha
de espaços nos Jerónimos, mantendo aqui o MNA toda a sua capacidade operacional,
até que pudesse ser transferido para a CN, em boa e devida ordem. Nos
últimos dois meses parece que toda esta estratégia foi abandonada, sem que se perceba
muito bem porquê. Talvez apenas pelo que se quer fazer nos Jerónimos e não
propriamente pelo interesse na melhoria do MNA. Importa recordar que a ideia de
afectar o sector oitocentista dos Jerónimos em exclusivo à Marinha, de forma
clara (ampliação do Museu de Marinha) ou encapotada (Museu da Viagem, colocado
em instalações alienadas para a Marinha, bem diferente do que seria um tal
museu antropológico e civilista, sob tutela exclusiva da Cultura), limita-se a
ressuscitar o antigo projecto do Estado Novo, sob impulso do almirante Américo Thomaz,
que teve golpe de finados quando o Conselho da Revolução, em Janeiro de 1976
(no rescaldo do 25 de Novembro e quando País corria o risco de uma deriva cesarista),
entendeu publicar um decreto hoje risível, no qual se impunha a transferência para
a Marinha de todos os espaços dos Jerónimos não afectos ao culto. É irónico que
este projecto seja retomado agora, mas… é a vida. Na condição em que
subscrevo este texto, apenas me cumpre assinalar esta entorse cívica. Todavia,
na mesma condição, cumpre-me mais, cumpre-me denunciar a extraordinária
situação para que um museu mais do centenário e um acervo tão vasto e
estruturante para o País são atirados, tratados como meros empecilhos para que
uma opção política de regime possa rapidamente ser executada. Em ditaduras
terceiro-mundistas não se faria diferente. Quanto
ao edifico da CN o problema não é tanto político mas técnico e altamente
complexo, fazendo todo o sentido os cuidados na sua abordagem, acima
sumariados. Trata-se de uma proposta que tem meio século, ressurge ciclicamente
e foi sempre recusada com base em pareceres técnicos credíveis. Mudaram
entretanto as circunstâncias ? Talvez. Mas apenas se alguém com competência
bastante puder agora garantir a inexistência ou o adequado controlo dos riscos
sísmicos, de inundação, impacte de marés, etc. que são reconhecidos naquele
preciso local (edificado sobre o estuário do rio Seco num local, “Junqueira”,
que significa pântanos de juncos) e arriscam conduzir a uma catástrofe para o acervo
histórico nacional que o MNA guarda. E se outro alguém garantir depois a mobilização
dos meios financeiros suficientes para a profunda requalificação do quarteirão
inteiro da CN, onde nalguns sectores se verifica uma quase ruína e noutros as
coberturas são em telha vã, os pavimentos são irregulares, estão saturadas em
sais marinhos, etc., etc. Ora, a única coisa que até aqui me foi apresentado em
sentido tranquilizador, foi um parecer dado a título individual por um antigo
técnico LNEC, certamente competente, mas que não responsabiliza mais do o seu
autor. O Grupo de Amigos do MNA obteve estudo de outro técnico muito
credenciado e que vai em sentido contrário; eu próprio recolhi pareceres de
dois dos mais reputados especialistas portugueses em engenharia sísmica –
e todos concordam em alertar para o risco efectivo e elevado que existe no
local da CN. Talvez
assim se compreenda melhor porque atribuo a esta matéria tanta importância. Talvez
se entenda porque não posso em consciência, neste momento, considerar como
definitivamente adquirida a transferência do MNA para CN. E, por outro lado,
também assim se possa melhor perceber porque considero inaceitável executar
desde já o despejo de parte do MNA nos Jerónimos – situação que seria
sempre anómala (e desnecessária, porque não existem agora pressões para colocar
quaisquer serviços da Cultura na CN), porque o que faria sentido, conforme o
acordado inicialmente, era que o Museu apenas desocupasse os espaços actuais
quando mudasse de instalações, após as obras profundas de arquitectura a que a CN
deverá inevitavelmente ser submetida. Continuo,
pois, a aguardar a apresentação pública de estudos que garantam a segurança do acervo
do MNA na CN. Aguardo, logo depois, a abertura de concurso público ou o convite
a arquitecto consagrado para desenvolver o projecto que se impõe, tudo isto sem
esquecer os estudos urbanísticos da zona envolvente, de modo a precaver, e
potenciar, o fluxo das várias centenas de milhar de pessoas que passarão
anualmente a frequentar uma zona em que se irão colocar lado a lado os dois
mais visitados museus do Ministério da Cultura. No
entretanto, o MNA continuará a servir da melhor forma que puder os seus utilizadores,
no cumprimento do programa cívico que Leite de Vasconcelos concebeu e
Bernardino Machado adoptou. As iniciativas públicas já tomadas em torno do
futuro do MNA, com especial relevo para o espírito combativo demonstrado pelo
nosso Grupo de Amigos e para os oferecimentos de activa solidariedade por parte
de personalidades as mais diversas, das associações científicas e
profissionais, das universidades e das autarquias, reconfortam-me e dão fé de
que a sociedade civil não está adormecida. Luís Raposo Director
do Museu Nacional de Arqueologia, 29 de Março de2010. |
Mensagem anterior por data: Re: [Archport] URGENTE ! MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA | Próxima mensagem por data: [Archport] Para além do caso Museu Nacional de Arqueologia |
Mensagem anterior por assunto: [Archport] Museu Nacional de Arquelogia - Mudar. só para Melhor (esclarecimento) | Próxima mensagem por assunto: [Archport] Museu Nacional de Arqueologia. Percursos e desafios de uma Casa Centenária |