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[Archport] não desvirtuem o contexto da discussão sff

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] não desvirtuem o contexto da discussão sff
From :   "Ricardo Charters d'Azevedo" <ricardo.charters@gmail.com>
Date :   Wed, 1 Sep 2010 18:15:33 +0100

Pilar Reis

Mas tem parcialmente razão. Claro, como em tudo, há do bom e do mau… et na mesma moeda há duas faces que não são iguais.

Agora, deve ter em atenção que eu não estou a discutir se é bom ou mau fazer uma barragem versus um museu. Nem estou a discutir- nem pretendo – ver quais os custos e vantagens… Não. Só reagi ao que o Presidente da Direcção da APA escreveu sobre um debate na TV.

Os que tem a “alma negra”, por fazer pagar alguns euros a mais ao cidadão, devem lembrar-se que  quando não há dinheiro para comprar pão (e há 100 anos era o pão e o bacalhau e o regime caiu), o cidadão revolta-se. Veja-se ainda o que aconteceu hoje no Maputo. E em Portugal estamos quase na situação de “quando não há pão todos ralham e …”

 

Enfim, a defesa do património é importante, mas temos de ter bom senso.

Já agora, e fora do tema em causa gostava de vos contar um caso:

 

Uma placa de mármore datada do Estado Novo, comemora a mortandade que os franceses fizeram na população de Leiria, quando a invadiram. A placa foi mal tratada pois escorreu cimento sobre ela e o vivo a negro das letras desapareceu. Claro que para as comemorações dos 200 anos deste evento, solicitou-se que a placa, que tem cerca de 50 anos fosse limpa e as letras avivadas a negro. Que não, disse o técnico camarário, pois limpar o cimento sobre o calcário iria desgastar a pedra e “pas question” de avivar as letras a preto. O técnico deve ter ascendência francesa pois, como resultado dessa opinião técnica (!), a placa encontra-se lá, babada de cimento (que fica mais escuro quando chove) e as letras não se lêem. No entanto, ao lado esta uma placa de calcário com a mesma antiguidade, que menciona o nome da rua, com as letras avivadas a negro, e uma outra, igualmente de calcário, com cerca de 60 anos, e com as letras avivadas a negro, que menciona que o edifício serviu de escola durante muitos anos.

Como se vê, as regras devem ser aplicadas com bom senso e não limpar uma pedra só porque fazê-lo a desgasta, quando ela tem uma função a cumprir… e “talibanismo” ou fundamentalismo

Espero que neste debate sobre o que “escreveu o Presidente da Direcção da APA sobre a composição da mesa de um debate na TV”, não caiamos no mesmo

Cumprimentos

RCA

 

 

 

Message:

Date: Wed, 1 Sep 2010 14:41:13 +0100

From: Pilar Reis <mariaferrerdosreis@gmail.com>

Subject: Re: [Archport] não desvirtuem o contexto da discussão.

To: archport@ci.uc.pt, Ricardo Charters d'Azevedo

                <ricardo.charters@gmail.com>

Message-ID: <8092D2C6-D27F-4858-A005-FDEE9DCFAF8B@gmail.com>

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Boa tarde:

 

Peço-lhe desculpa por me dirigir pessoalmente ao seu e-mail, mas creio que a sua argumentação não é razoável pelo seguinte:

 

1º Porque a construção de barragens tem um conjunto importante de pontos negativos e positivos que devem ser avaliados e devidamente ponderados. Esta não é uma discussão nova, aliás aconselho a quem se interessar pelo assunto a ler, por exemplo, os resultados das reuniões da Comissão Mundial de Barragens. Infelizmente a imprensa portuguesa não aprofunda a questão nem investiga convenientemente os factos, uma pena sem dúvida e incompreensível, entre outras razões, porque a existência de grandes barragens nos principais rios portugueses provoca importantes alterações na costa portuguesa, já que estas obras retêm um volume importante da areia que "alimenta" a nossa faixa costeira. Por outro lado, nunca são dados os bons exemplos de desenvolvimento local originados pela construção de barragens portuguesas.

 

2º A defesa do património existente no vale do Côa, que não se limita às gravuras mas a uma visão integrada da região envolvente, inaugurou uma revolução importante na arqueologia nacional, seja do ponto de vista legislativo, seja no âmbito profissional. Sabe quantas empresas de arqueologia existiam em Agosto de 1994? Quantos dos alunos de História Variante Arqueologia trabalhavam como arqueólogos em Agosto de 1994? Note-se, refiro-me à década de 90 não à de 70.

 

3º Conhece bem o concelho de Foz Côa? Consegue fazer uma leitura comparativa entre o que era antes e depois da descoberta e preservação das gravuras? Sabe quais são as dinâmicas económicas dessa região e quais as perspectivas de futuro? Quais são as necessidades reais deste concelho do interior português?

 

  4º O exemplo de Conimbriga, que lhe pareceu descabido, é interessante neste contexto. Sabe porquê não existe uma urbanização sobre o planalto de Conimbriga? Talvez desconheça, mas a construção do Museu Monográfico em 1962 foi e é o garante da protecção das ruínas. Sem ele e não tenhamos ilusões, toda Conimbriga estaria envolvida por lindas vivendas e prédios de quatro andares e um hotel com SPA sobre as Termas Sul. Acompanhou os destaques na imprensa nacional sobre o recente processo de aquisição de terrenos a serem integrados na área arqueológica e o que pensa sobre isso? Quer por em causa o impacte económico, social e obviamente científico de Conimbriga? Não julgue que Conimbriga se construiu em 15 anos e que não foi polémico para a comunidade local a aquisição dos terrenos (ainda é !), eram terrenos de grande importância agrícola para a comunidade.

 

  5º O Museu do Côa enche-nos a todos de orgulho, para mim como portuguesa o Côa é a nossa "jóia da coroa", é um património único que merece um investimento importante. Tem consciência da projecção internacional que o Côa nos trouxe? Certamente não. Sabe que um museu não é apenas o número de visitantes, que a sua existência abre as portas a outro tipo de parcerias que viabilizam a sua existência, que os valores implicados na sua construção e retorno é respectivamente muito inferior e muito superior que o da malfadada barragem? Que a sua duração não é comparável à de uma barragem, já que esta última, e como certamente sabe, tem um prazo de validade? Conhece profundamente o património que está em causa, a sua diversidade e o seu valor?

 

  6º Por fim e sem querer trazer à liça outras questões: quantas vezes ouviu os arqueólogos discutirem, por exemplo, os problemas profissionais dos engenheiros electrotécnicos? Ou dos advogados? É evidente que todos temos direito à nossa opinião, que os exemplos de outras comunidades profissionais são importantes, mas é preciso entender e conhecer o contexto em que se desenvolve a arqueologia profissional em Portugal e para isso não basta com ler a archport.

 

  A sua opinião é importante, porque nos demonstra que existe um longo caminho a percorrer, que é necessário informar o cidadão português e investir na construção de uma sociedade mais esclarecida e menos amedrontada, mas compreenda também que referir o Museu do Côa como um vício, numa lista de arqueologia onde muitos dos que recebemos os e-mails se debateram pela preservação do Côa e conhecem os contornos que em 1995 envolveram essa opção, suscita, pelo menos, algum desânimo. Mas como lhe dizia, é muito importante a sua opinião, pelo que diz do nosso pais real e, se me permitir um conselho, um destes fins-de-semana aproveite e vá visitar o Museu do Côa, conte- nos depois a sua experiência.

 

 

Pilar Reis

 

 


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