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[Archport] A propósito de Foz Côa

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] A propósito de Foz Côa
From :   João Vaz <jlivaz@gmail.com>
Date :   Thu, 2 Sep 2010 15:03:11 +0100

Não costumo entrar muito nas questões do archport mas, desta vez, a propósito de Foz Côa, não posso deixar de dar nota das palavras que pronunciei numa conferência que fiz em 2008 aos Auditores de Defesa Nacional  e cujo texto integral irá sair na revista "Gestão e Desenvolvimento" da Universidade Católica Portuguesa. Transcrevo apenas a parte que diz respeito a Foz Côa de um texto que como título, "Cultura e Património, Paradigmas de desenvolvimento".
 

 

 

.... Um dos casos culturais mais polémicos dos últimos 13 anos em Portugal foi o da barragem de Vila Nova de Foz Côa. Todos estamos recordados das polémicas desencadeadas pelo facto de a barragem projectada e iniciada ser abandonada em detrimento do salvamento das gravuras rupestres. Os ânimos de arqueólogos, engenheiros, ambientalistas e políticos vieram ao de cima e todos procuraram justificar as suas opções a favor ou contra as gravuras. O que é certo é que o investimento naquilo que seria uma das maiores barragens portuguesas foi abandonado e em seu lugar surgiu um Parque Arqueológico classificado pela UNESCO como Património da Humanidade. Posteriormente, foi projectado um grande museu que neste momento está em vias de conclusão. Treze anos passados, as feridas abertas ainda não sararam e a polémica não acabou, apesar do ruído ser muito menor. Valeu a pena abandonar um projecto económico por um projecto cultural? Dizem os detractores que não, porque a barragem traria mais benefícios económicos do que o Parque Arqueológico. Pelo contrário, dizem os defensores das gravuras. Vejamos a questão por este lado cultural. A construção da barragem atrairia a Vila Nova de Foz Côa durante 3 ou 4 anos, os anos que demoraria a sua construção, várias centenas de trabalhadores, criando-se, por consequência, muitos postos de trabalho durante esse tempo. Mas, acabada a barragem, todos os trabalhadores e técnicos se retiravam e a barragem ficava a produzir electricidade e comandada provavelmente de uma forma informática a partir de uma das centrais da EDP localizadas no Pocinho, na Bemposta ou na central de Régua. Quantos portugueses iriam visitar a barragem de Foz Côa ou quantos estrangeiros viriam de propósito fazer o mesmo?

Ora, o que é que sucedeu com a declaração das gravuras como Património Mundial e com a adopção da ideia da criação do Parque Arqueológico? Criou-se um gabinete do Parque, com técnicos, funcionários administrativos, guias arqueológicos e vigilantes. E ali estão, desde 1995, criados cerca de 50 postos de trabalho permanentes. Ali se criou a sede nacional do Centro Nacional de Arte Rupestre  (CNART) que criou mais uma dúzia de postos de trabalho e que tem como missão estudar todas as gravuras rupestres existentes no nosso território. Quantos mais postos de trabalho vai criar o Museu Arqueológico? Além destes benefícios directos, temos que ver que as gravuras atraíram até 2007 mais de 170.000 visitantes, com particular destaque para os estrangeiros que ao longo dos anos têm vindo sempre a aumentar, apesar do sistema restritivo de visitas. Qual o impacto que estes turistas tiveram até agora na economia local? Pensemos em locais próximos, como o Pocinho ou a Bemposta onde existem barragens semelhantes à que se iria construir e vê-se que o impacto da construção dessas barragens na economia local foi absolutamente nulo. Pelo contrário, em Foz Côa, as gravuras tornaram-se o símbolo de um concelho e, diria mesmo, de uma região. Hoje, falar de Vila Nova de Foz Côa é o mesmo que falar das gravuras rupestres e desde os caixotes do lixo locais às placas de sinalização, todos ostentam a gravura rupestre como símbolo. Um dos mais significativos impactos deu-se ao nível dos vinhos produzidos pela Adega Cooperativa local que viu as suas vendas aumentarem de uma forma muito acentuada desde que os símbolos das gravuras começaram a ser usados nos rótulos. Novas casas de turismo de habitação, novos restaurantes e novos sítios de alojamento são algumas das consequências directas ou indirectas do aparecimento das gravuras.

O símbolo nacional e internacional da região são hoje as gravuras rupestres. Não será só por causa das gravuras, mas o concelho de Vila Nova de Foz Côa foi dos poucos a não diminuir a sua população na década de noventa, ao contrário de quase todos os concelhos transmontanos.

Face a isto que se passa em Vila Nova de Foz Côa, ocorre perguntar se algum outro acontecimento poderia ter um impacto tão grande na economia local como a criação do Parque Arqueológico e do CNART. Comparem-se os impactos das gravuras com o que teve a barragem do Pocinho, por exemplo, também localizada no mesmo concelho?..."

 

João L. Inês Vaz


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