.... Um dos casos culturais mais polémicos dos
últimos 13 anos em Portugal foi o da barragem de Vila Nova de Foz Côa. Todos
estamos recordados das polémicas desencadeadas pelo facto de a barragem
projectada e iniciada ser abandonada em detrimento do salvamento das gravuras
rupestres. Os ânimos de arqueólogos, engenheiros, ambientalistas e políticos
vieram ao de cima e todos procuraram justificar as suas opções a favor ou
contra as gravuras. O que é certo é que o investimento naquilo que seria uma
das maiores barragens portuguesas foi abandonado e em seu lugar surgiu um
Parque Arqueológico classificado pela UNESCO como Património da Humanidade.
Posteriormente, foi projectado um grande museu que neste momento está em vias
de conclusão. Treze anos passados, as feridas abertas ainda não sararam e a
polémica não acabou, apesar do ruído ser muito menor. Valeu a pena abandonar
um projecto económico por um projecto cultural? Dizem os detractores que não,
porque a barragem traria mais benefícios económicos do que o Parque
Arqueológico. Pelo contrário, dizem os defensores das gravuras. Vejamos a
questão por este lado cultural. A construção da barragem atrairia a Vila Nova
de Foz Côa durante 3 ou 4 anos, os anos que demoraria a sua construção, várias
centenas de trabalhadores, criando-se, por consequência, muitos postos de
trabalho durante esse tempo. Mas, acabada a barragem, todos os trabalhadores e
técnicos se retiravam e a barragem ficava a produzir electricidade e comandada
provavelmente de uma forma informática a partir de uma das centrais da EDP
localizadas no Pocinho, na Bemposta ou na central de Régua. Quantos
portugueses iriam visitar a barragem de Foz Côa ou quantos estrangeiros viriam
de propósito fazer o mesmo?
Ora, o que é que sucedeu com a declaração das
gravuras como Património Mundial e com a adopção da ideia da criação do Parque
Arqueológico? Criou-se um gabinete do Parque, com técnicos, funcionários
administrativos, guias arqueológicos e vigilantes. E ali estão, desde 1995,
criados cerca de 50 postos de trabalho permanentes. Ali se criou a sede
nacional do Centro Nacional de Arte Rupestre (CNART) que criou mais uma dúzia de
postos de trabalho e que tem como missão estudar todas as gravuras rupestres
existentes no nosso território. Quantos mais postos de trabalho vai criar o
Museu Arqueológico? Além destes benefícios directos, temos que ver que as
gravuras atraíram até 2007 mais de 170.000 visitantes, com particular destaque
para os estrangeiros que ao longo dos anos têm vindo sempre a aumentar, apesar
do sistema restritivo de visitas. Qual o impacto que estes turistas tiveram
até agora na economia local? Pensemos em locais próximos, como o Pocinho ou a
Bemposta onde existem barragens semelhantes à que se iria construir e vê-se
que o impacto da construção dessas barragens na economia local foi
absolutamente nulo. Pelo contrário, em Foz Côa, as gravuras tornaram-se o
símbolo de um concelho e, diria mesmo, de uma região. Hoje, falar de Vila Nova
de Foz Côa é o mesmo que falar das gravuras rupestres e desde os caixotes do
lixo locais às placas de sinalização, todos ostentam a gravura rupestre como
símbolo. Um dos mais significativos impactos deu-se ao nível dos vinhos
produzidos pela Adega Cooperativa local que viu as suas vendas aumentarem de
uma forma muito acentuada desde que os símbolos das gravuras começaram a ser
usados nos rótulos. Novas casas de turismo de habitação, novos restaurantes e
novos sítios de alojamento são algumas das consequências directas ou
indirectas do aparecimento das gravuras.
O símbolo nacional e internacional da região
são hoje as gravuras rupestres. Não será só por causa das gravuras, mas o
concelho de Vila Nova de Foz Côa foi dos poucos a não diminuir a sua população
na década de noventa, ao contrário de quase todos os concelhos transmontanos.
Face a isto que se passa em Vila Nova de Foz
Côa, ocorre perguntar se algum outro acontecimento poderia ter um impacto tão
grande na economia local como a criação do Parque Arqueológico e do CNART.
Comparem-se os impactos das gravuras com o que teve a barragem do Pocinho, por
exemplo, também localizada no mesmo concelho?..."
João L. Inês Vaz