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Re: [Archport] Mega projectos culturais em tempo de crise...

To :   Maria Moreira Baptista de Magalhães Ramalho <mariabaptistaramalho@hotmail.com>, "ARCHPORT" <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] Mega projectos culturais em tempo de crise...
From :   "Paulo Monteiro" <pmonteiro@ntasa.pt>
Date :   Sun, 11 Sep 2011 03:47:01 +0100

O que falta aqui é cidadania, capacidade de intervir em sociedade e, porque não dizê-lo, há por aí muita apatia e desresponsabilização.

 

Eu acho, por experiência própria, que o povo português só se levanta em clamor se, das duas, uma: lhes levarem os santinhos da igreja da aldeia para sé da capital de distrito ou se lhes quiserem plantar uma linha de muito alta tensão, ou quiçá, uma central de co-incineração, à porta.

 

Dou o exemplo do terminal de cruzeiros de Angra do Heroísmo: uma obra de 50 milhões de euros (isto sem as tão proverbiais derrapagens ou os chamados custos indirectos, eufemismo que se usa para pagamentos em que o dinheiro se some, sem que se saiba bem para onde (ou aliás, sabe-se) decidida sem quaisquer estudos de custo-benefício, sem estudos de impacte ambiental, contra a opinião de muitas das forças vivas da sociedade local e, ainda por cima, num local classificado como Parque Arqueológico Nacional e encostada a uma cidade classificada pela UNESCO como Património Mundial. Cereja no topo do bolo, é um projecto que nunca funcionará na realidade, pois a natureza dos fundos, de areia e com 15 a 25 metros de profundidade, tal não permite (a não ser, claro, que o dono da obra seja accionista maioritário de uma cimenteira e não se importe de construir no Verão para o mar levar no Inverno).

 

A APA escreveu ao Governo Regional dos Açores (acho que não teve resposta), foram feitas várias peças em jornais sobre este assunto, reportagens na televisão, debates públicos – tudo debalde.

 

Criei até uma petição para entregar às Assembleias da República e Regional dos Açores, fiz queixa formal destas ilegalidades ao Parlamento Europeu e vou fazer o mesmo, em Dezembro próximo, numa reunião em Bruxelas, na Unesco.

 

Acham que alguém se rala?

 

Ninguém. Aliás, o presidente do Governo Regional dos Açores tem até a desfaçatez de dizer publicamente que primeiro decide onde construir e que depois logo se faz o projecto de impacte ambiental e a discussão pública:

 

http://www.ccah.eu/noticias/ver.php?id=2509

 

 

Em tempos de crise, mais ainda do que atacar a parolice ou a absoluta não necessidade da obra/intervenção/”projecto cultural” importa, primeiro que tudo, perguntar: “quanto custa?”; “quem paga?”; “quem usufrui?”; “que legislação é observada/cumprida/respeitada?”

 

E, sempre que possível, atacar onde lhes dói mais – nas fontes de financiamento, ou seja, junto da Comunidade Europeia.

 

Finalmente, e fugindo um pouco ao assunto em cima da mesa, deveríamos todos saber falar a linguagem do custo-benefício. Ou, como dizia o Artur Côrte-Real, director do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, nós todos, cidadãos - mas especialmente os que de nós se encontram ligados ao património e ao ordenamento do território - deveríamos saber quanto custa construir um quilómetro de auto-estrada. E depois, usando esse valor, fazer dele bitola para tudo. Assim, sempre que precisássemos de determinada verba para recuperar determinado património classificado deveríamos dizer que tal custa 0,01% de um quilómetro de auto estrada.

 

Só mesmo para (re)colocar as coisas em perspectiva. Por exemplo, quanto custa recuperar e estudar as Sete Fontes? Certamente bem menos do que os 8,2 Milhões de Euros que custam os mil metros de estrada que ligam o Hospital de Braga à restante via pública:

 

http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=6038

 

 

 

PS: para quem tem curiosidade, o km de auto-estrada custa, em média, 10 Milhões de Euros.

 

 

Paulo Alexandre Monteiro

 


From: archport-bounces@ci.uc.pt [mailto:archport-bounces@ci.uc.pt] On Behalf Of Maria Moreira Baptista de Magalhães Ramalho
Sent: 10 September 2011 11:22
To: ARCHPORT
Subject: [Archport] Mega projectos culturais em tempo de crise...

 

 

Quando se fala em projectos culturais destinados a “reabilitar” o património ou “valorizá-lo”, surgem muitas vezes apenas duas soluções tipicamente portuguesas - ou se deixa cair ou se faz um Mega Projecto que pretende colocar “provincianamente” a cidade ou o Promotor no mapa, procurando um sucesso tipo Guggenheim.

 

Acontece que um dos maiores valores que temos como país é o nosso património arquitectónico, o valor dos conjuntos, dos centros históricos, a relação da arquitectura e dos monumentos com a envolvente etc, etc. Nesta linha de pensamento lamento que se continue a apostar, mesmo em tempos de crise (e isso deixa-me ainda mais confusa), em projectos culturais como estes que agora apresento e que gostaria de ver mais discutidos. Importa lembrar que estes dois Mega Projectos surgem em zonas com grande valor histórico e junto a imóveis classificados.

 

Uma das razões porque julgo importante que se discutam estes assuntos é porque, apesar de tudo, os arqueólogos ainda fazem ouvir a sua voz no meio de uma apatia generalizada. Veja-se a recente notícia do Público sobre as mudanças ao nível da tutela do Património - quem são os que se preocupam ? Os arqueólogos….

 

Gostava de deixar claro que apesar de me encontrar ligada a uma das Instituições que tem como missão pronunciar-se sobre estas matérias, sempre expus as minhas ideias (dentro e fora da Instituição) com toda a liberdade que sempre defendi e defenderei e porque considero que é urgente discutir e argumentar solidamente sobre este tipo de projectos pois eles perduram e impõem-se nas cidades por muitos e muitos anos.

 

 - O primeiro surge junto a um notável monumento classificado – A Central Tejo – demolindo, ao que parece, partes do conjunto para edificar esta “Pala”. Centro Cultural – Fundação EDP, projecto de Amanda Levete. Vejam em anexo imagens retiradas da Agenda Cultural de Lisboa, páginas 122 e 123.

Pormenores do texto que destaco: conceito de “democraticidade” que dizem estar subjacente ao projecto e a possibilidade de circulação pedonal pelo tecto do edifício, o que me faz lembrar outro projecto onde essa intenção saiu gorada pelo perigo que representava para os visitantes - o “Museu do Côa” obrigando a colocar vedações que desfiguraram a ideia inicial dos arquitectos.

Julgo que conhecem outra Pala mais à frente junto ao rio, por baixo da Ponte 25 de Abril, aquela onde se gastou milhões e que depois nunca serviu para nada. Muito próximo também ergue-se outro Mega Projecto agora parado – O Museu dos Coches – lembram-se ? Aquele que desalojou o ex Instituto Português de Arqueologia e que quase provocou a saída do Museu Nacional de Arqueologia dos Jerónimos, entre outros efeitos colaterais.

 

- O segundo é um projecto de Carrilho da Graça – o  Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes que tem por missão "apresentar as colecções de Arqueologia, de História e de Arte, desde os tempos Pré-Históricos até à Época Contemporânea, tanto de origem local, regional e nacional como de origem internacional".

Este edifício, em forma de paralelepípedo com 30 metros de altura, surge junto ao Convento de São Domingos, monumento que integra também o Museu. Disse a presidente da autarquia Maria do Céu Albuquerque “a aposta neste investimento visa “criar uma marca do território em pleno centro histórico de Abrantes”, tendo acrescentado que pretende também constituir-se como “um estímulo decisivo” para a sua reanimação.

 

Sobre este caso deixo-vos também em anexo umas imagens que, a meu ver, ilustram bem o que tentei aqui debater.

 

E não me falem de fundamentalismos que não percebemos nada de modernidade nem de património etc e tal... estou farta de ouvir só esses argumentos ! Estes debates surgem em todos os países e é importante que existam para mostrar que não somos todos amorfos, um bando de carneiros atrás dos " Archistars " !!

 

Maria Ramalho

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