Caro António
Valera, Concordo na substância com quase tudo o que dizes abaixo, mas isso é pouco importa. Discordaria
apenas num ponto pequeno, porventura menor: numa sociedade política organizada,
seja ela tribal ou estatal, o ?bem comum?, que é difuso, reconheço, é definido
através das modalidades encontradas para investir alguns do poder da
representação e da acção em nome de todos. No caso
concreto ? e é esse que afinal motiva o comentário ? os monumentos a que
colectivamente foi entendido reconhecer significado simbólico comum podem
evidentemente ser geridos por privados, visando (muito legitimamente) não apenas
a satisfação das suas necessidades de vida (tão respeitáveis como as dos
?agentes públicos?), como a acumulação de recursos que lhes permitam maior
ascendência presente, ou futura, sobre terceiros, ou seja, aquilo que
habitualmente se chama ?lucro? (coisa que aos ?agentes públicos? é interdita,
vá-se lá saber porquê...). Podem os
monumentos ser assim geridos privadamente, desde logo debaixo de ideologias
liberais que eu nem sequer contesto (até porque intervim inicialmente nesta
matéria como Presidente do ICOM Portugal e, nesta qualidade, não me é lícito
optar pelas minhas convicções e ideologias pessoais). Mas podem também ser
geridos privadamente debaixo de ideologias estatistas, embora admito que dentro
de baias e critérios de eficiência e eficácia muito mais
restritos. Podem, mas não nos iludamos: quem paga sempre a factura somos todos nós, através dos recursos que colocamos à disposição do Estado (ou que o Estado nos confisca, enquanto o deixarmos, está claro). Mas, sim
senhor, aceito que podem. É por isso que ouso acrescentar não ser nessa
oposição que está o verdadeiro problema. Está este, segundo creio, em saber, por
um lado, se / quando / como existem para nós, colectivamente falando, ganhos
sociais, nessa opção gestionária privada. No plano material, por exemplo, se ela
não envolve por exemplo custos superiores ao que a gestão pública poderia
alcançar e se não dificulta, ou impede mesmo, a prossecução de políticas
coerentes nacionais, em que o ?rentável? contribua para o ?não rentável?. E no
plano social e simbólico, por exemplo, se ela promove melhor a cidadania, quer
dizer, a discussão reflexiva sobre identidades (convergências e divergências)
comuns. Bem vistas as
coisas, o grande problema é de natureza política mais ampla, diria ideológica e
simbólica, a saber: justifica-se a existência de Estado e de serviços públicos
executados por agentes públicos ? Ou tudo pode ser privatizado, mesmo que por
tal entendo apenas a entrega a gestão privada, mantendo todavia a propriedade
pública ? As estradas, os tribunais, a polícia, as prisões? enfim, a memória que
nos faz sentir cidadãos, europeus em certos aspectos, portugueses
portugueses noutros, minhotos ou alentejanos noutros ainda
? Reclamar
contra o simplismo da oposição ?público? e ?privado? de uma forma abstracta ? no
que podemos todos concordar ? quando se está perante questões concretas mais não
constitui do que desconversar. Luís Raposo
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