Peça do Mês O Museu Nacional de
Arqueologia (MNA) possui um acervo de muitos milhares, na verdade centenas de milhares,
de objectos. Provém eles de intervenções arqueológicas programadas ou de
achados fortuitos, tendo sido incorporados por iniciativa do próprio Museu ou
por depósito ou por doação o de investigadores e coleccionadores. Todos os períodos
cronológicos e culturais, e também todos os tipos de peças, desde a mais remota
Pré-História até épocas recentes, neste caso com relevo para as peças
etnográficas, estão representados no MNA. Às colecções portuguesas
acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos e regiões muito
diversificadas. O MNA é ainda o museu
português que possui no seu acervo a maior quantidade de peças classificadas
como “tesouros nacionais”. Existe, pois, sempre
motivo de descoberta nas colecções do Museu Nacional de Arqueologia e é esse o
sentido da evocação que fazemos, em cada mês que passa, e renovadamente no ano
de 2013, A peça do mês Cabeça do deus Endovélico (Nº 988.3.168) A apresentar pelo Dr. José Cardim Ribeiro, em 8 de Junho de
2013 às 15h O “bosque
sagrado” de Endovellicus foi, durante o Império Romano, um dos mais
importantes santuários de origem paleohispânica localizado no actual território
português. O seu culto atrai então numerosos devotos oriundos de uma vastíssima
região circundante, de Ebora a Emerita e, muito provavelmente, desde ainda mas
longe. Todos eles convergem para o esporão rochoso situado hoje no concelho do
Alandroal, próximo da povoação de Terena, actualmente denominado Outeiro de São
Miguel da Mota. Aí se localizava o único santuário consagrado a Endovellicus,
uma divindade de primordial natureza tópica. Nesse espaço, essencialmente
silvano e rupestre, os devotos cultuavam este deus que era ao mesmo tempo
infernal, benfazejo e, para alguns, até mesmo heroicizante e salvífico,
levando-lhe oferendas frutíferas, sacrificando-lhe porcos e javalis,
erigindo-lhe aras e edículas, fazendo-se representar através de estátuas junto
das estátuas do próprio nume e procurando escutar-lhe a voz, receber as ordens
ou mesmo vislumbrá-lo em sonhos ao pernoitarem ritualmente no santuário
(incubatio). O fundador e
primeiro director do Museu Nacional de Arqueologia, José Leite de Vasconcellos,
dedicou grande atenção ao estudo do deus Endovellicus, tendo procedido a
escavações no local do seu culto e aí recolhido uma vasta colecção de
inscrições com dedicatórias e testemunhos de outras oferendas, assim como
representações escultóricas de devotos e do próprio deus. Segundo se pensava
então – e, de certa forma, se continuou a pensar até há pouco tempo
– de entre tão numerosos achados apenas algumas majestosas cabeças
barbadas seriam, com maior segurança, identificáveis com a divindade. Revisões recentes
de toda a colecção e ainda novos testemunhos iconográficos descobertos em 2002
permitem hoje, porém, supor com idêntico grau de certeza que alguns torsos
desnudos e outras figurações afins devam também eles pertencer à representação
plástica de Endovellicus, permitindo-nos assim pela primeira vez reconstituir a
imagem do deus na sua quase integralidade. Na verdade a
“peça do mês” é, por tudo isto, não apenas um fragmento escultórico
– embora porventura de grande qualidade e expressão, como a cabeça
principal atribuível à divindade –, mas sim todas as várias peças que, em
conjunto e de forma solidária, nos ajudam hoje a vislumbrar – como se
também nós praticáramos a incubatio… – a silhueta do poderoso nume
lusitano.
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