Na verdade, não se trata de arqueologia. A arqueologia trata de materialidades. Pelas declarações dadas ao Público:
1) "por este monte terá passado"
2) "não se identificou qualquer documentação que faça referência a trabalhadores de origem africana"
3) encontraram-se apenas "materiais (...) como moedas (...) porcelana chinesa (...) faiança (...)" sem qualquer ligação a escravos
4) "a chegada do arroz a este território é ainda um mistério"
5) "é muito provável que esta propriedade tivesse escravizados"
6) "de [Cacheu] saíram muitos que vieram para Portugal, talvez alguns para o Sado..."
se verifica pelas reticências dadas ao Público pelo Investigador Principal, que deste monte veio uma mão cheia de nada e outra cheia de ativismo.
Materialidades? Aparentemente, zero. O que faz sentido - não estamos no Brasil nem nos EUA. Todos os escravos - romanos, eslavos, mouros, subsaarianos - que entraram no que hoje é território português foram há muito fenotipicamente absorvidos pelo resto da população, não podendo nós estabelecer um nexo causal direto entre as comunidades africanas racializadas estabelecidas hoje em Portugal - que resultam esmagadoramente de emigrações do século XX, fugas à independência das ex-colónias africanas e emigração laboral dos anos 90 - e a escravatura da Idade Moderna e Contemporânea.
Quiçá por isso mesmo, por não haver materialidades, o Observador se tenha visto obrigado a ilustrar a notícia da Lusa que surgiu no seu site com as imagens de uma múmia pré-inca, encontrada no Peru....
Na minha opinião, todas estas notícias em jornais são um mau serviço à arqueologia e à História, nada mais que um péssimo contributo científico, bom apenas para obter cliques nos jornais, construído sobre os velhos clichês de que há um tabu sobre a escravatura em Portugal - não há, tenho aqui em casa três estantes cheias de livros sobre o assunto - e assente na ignorância de quem lê Foucault e Frantz Fanon, não lendo fontes primárias e desprezando quem realmente sabe destes assunto - investigadores a sério, pessoas como Isabel Castro Henriques, Arlindo Caldeira, João Pedro Marques e Valentim Alexandre.
Do meu ponto de vista, ao contrário do que afirma o IP, para se resolverem "as desigualdades sociais que continuam a marcar a sociedade portuguesa, do ponto de vista étnico-racial, étnico económico e social” é preciso agir com o nosso voto e a nossa agência cidadã, não instrumentalizando a arqueologia e a História, como fizeram Hitler e Estaline, aqui há umas décadas atrás. Até porque os fachos também gostam de mentir às cavalitas da arqueologia...