"Cada vez mais pesquisadores revelam que houve escravidão africana também na metrópole."
"Alguém andou a faltar às aulas de História de Portugal ou, então, nunca consultou, sequer, coisas tão simples como registos paroquiais.
Quando a Arqueologia precisa de notícias bombásticas para revelar ignorância e verdades de La Palice, é a própria disciplina que cai em descrédito."
Pelos vistos faltaram às aulas de História, mas nunca faltaram às aulas de Marketing!
Polémicas nas redes sociais geram visualizações, comentários, publicidade. Mais do que resultados académicos sólidos, é este o tipo de resultados que presentemente os investigadores apresentam às chefias de departamento para obterem
apoios.
Como se não bastasse, quem, de forma salutar, ouse segundo a boa tradição académica, questionar os resultados será imediatamente vítima de censura, ódio e difamação.
Acredito que a maioria deste tipo de produção académica terá o mesmo destino que a historiografia à moda da U.R.S.S., hoje datada e pouco útil.
Mas tal como aconteceu com esta, servirá para encher a barriga de quem não se importou/a de servir agendas políticas e martelar dados em “estudos científicos” para as concretizar.
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Algumas observações sobre o artigo:
VEIGA, Edison. “As escavações arqueológicas que trazem novas revelações sobre o cotidiano de escravizados em Portugal”
Mesmo dando o desconto pelo facto de se tratar de um artigo jornalístico, que cita alternadamente dois investigadores, regista-se um acumular de preconceitos, incongruências, bazófias e contradições.
Ao contrário do que é mencionado, o interesse por este fascinante tema não é novo. Afirmar o inverso é uma enorme falha de investigação e acima de tudo, um insulto a todos aqueles que trabalham/trabalharam na área [1].
Apresentar como bombásticas e inovadoras temas abordados desde o séc. XIX, como a herança subsariana das populações alentejanas do Sado, ou a hipótese de colonização deste território europeu por africanos, sob ordens do Marquês de
Pombal, também não abona muito a favor [2].
O investigador brasileiro Renato Venancio menoriza o trabalho dos autores portugueses, mas depois é forçado a alicerçar partes chave da sua investigação nas mesmas.
Avança igualmente, à revelida das provas científicas, que a miscigenação entre nativos e africanos foi mínima e que os descendentes dos últimos teriam emigrado em massa para o Brasil nas vagas do séc. XIX!!! [3]
Já a investigação do arqueólogo português Rui Coelho parte de um pressuposto interessante. Sabendo pelas fontes escritas, que a região recebeu população escrava, a partir do séc. XVI, qual seria o seu eventual registo arqueológico?
A iconografia, fontes escritas e edificado coevo sobreviventes, não parecem indicar que o dia a dia destas populações, no território continental, fosse muito diferente dos restantes, sendo o seu confinamento e restrição física excecionais
[4].
A lógica ditaria que tais vestígios materiais se resumissem aos próprios indivíduos (enterramentos) ou algum objecto mais raro, como grilhetas. No entanto, o artigo (reconhecida peça jornalística) dá a entender que os investigadores
quase esperavam encontrar algo como uma magnifica casa senhorial (residência do “Sinhô” e da “Sinhá”?) ao lado da “Senzala” e do “Engenho”, tudo rodeado por um magnifico bosque de embondeiros e campos de quiabo.
Também parece altamente improvável a afirmação do mesmo investigador: "Também descobrimos que antes desse período não existiu ocupação permanente na área durante mais de mil anos, desde a época romana. Isto sugere que a região só
foi realmente ocupada a partir do final do século 15".
Como dizem os americanos, declarações extraordinárias exigem factos extraordinários.
A região foi alvo de uma prospecção de campo sistemática? Foram utilizados métodos mais recentes de prospecção como LIDAR?
Nesse caso podemos admitir tal afirmação, mas fundamentar a mesma apenas com recurso a uma base de dados nacional é excessiva, pois é do conhecimento geral que a informação disponível varia bastante, quantitativa e qualitativamente,
de região para região.
[1]
FONSECA, Jorge «A historiografia sobre os escravos em Portugal», Cultura [Online], Vol. 33 | 2014, posto online no dia 22 abril 2016, consultado o 25 setembro 2023.
[2]
FONSECA, Jorge. RECENSÃO Os “Pretos do Sado”. História e Memória de uma Comunidade Alentejana de Origem Africana (séculos xv-xx), de Isabel Castro Henriques e João Moreira da Silva.
VASCONCELOS, J. L. de (1898), “Mulatos de Alcácer do Sal”. O Arqueólogo Português, tomo 1.
[3]
Pelos vistos a integração social e económica bem-sucedida, atestada por um manancial de documentação bem conhecida (Confrarias de Homens Pretos, testamentos, registos de matrimónio, eclesiásticos, etc.), para além de estudos recentes
sobre o perfil genético da população portuguesa foram convenientemente ignorados.
[4]
Com a excepção do edificado destinado a receber provisoriamente os escravos, aquando da sua chegada, não parece que tenham existido “senzalas” à semelhança das colónias. Quanto ao quotidiano da população da Lisboa quinhentista, basta
consultar famoso quadro da “Rua Nova dos Mercadores” para vislumbrar um passado complexo e muito distinto daquele que algumas linhas de investigação anglo-saxónicas, altamente politizadas e pouco científicas, gostam de imaginar.
De: archport-bounces@ci.uc.pt <archport-bounces@ci.uc.pt> em nome de Isabel Luna <misabel.luna@gmail.com>
Enviado: domingo, 24 de setembro de 2023 17:12 Para: Archport <archport@ci.uc.pt> Assunto: [Archport] Fwd: Escavações arqueológicas revelam o passado escravagista de Portugal "Cada vez mais pesquisadores revelam que houve escravidão africana também na metrópole." Alguém andou a faltar às aulas de História de Portugal ou, então, nunca consultou, sequer, coisas tão simples como registos paroquiais.
Quando a Arqueologia precisa de notícias bombásticas para revelar ignorância e verdades de La Palice, é a própria disciplina que cai em descrédito.
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De: Rui Gomes Coelho <ruigomescoelho@gmail.com> Date: domingo, 24/09/2023 à(s) 09:47 Subject: [Archport] Escavações arqueológicas revelam o passado escravagista de Portugal To: Archport <archport@ci.uc.pt> Escavações arqueológicas revelam o passado escravagista de Portugal
As imagens que mais vêm à tona quando se pensa em africanos escravizados é a do Brasil colonial, especialmente com as imensas plantações de cana e os engenhos. Faz sentido: estudos recentes estimam que foram trazidos da África para a colônia estabelecida por Portugal no Novo Mundo pelo menos 5,8 milhões de indivíduos escravizados entre os século 16 e 19 — quase a metade do total de toda a América. Mas o passado escravagista português não se resume ao emprego de mão-de-obra forçada nas colônias. Cada vez mais pesquisadores revelam que houve escravidão africana também na metrópole — ou seja, em Portugal — no mesmo período. Archport mailing list Archport@ci.uc.pt http://ml.ci.uc.pt/mailman/listinfo/archport |
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