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Re: [Archport] In the discipline of archaeology, harassment is occurring at ‘epidemic rates,’ says Stanford scholar (Rui Oliveira)

To :   Rui Oliveira <oliveira.rui.mg@gmail.com>
Subject :   Re: [Archport] In the discipline of archaeology, harassment is occurring at ‘epidemic rates,’ says Stanford scholar (Rui Oliveira)
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Fri, 2 Apr 2021 16:48:15 +0100

Ninguém disse que não havia problemas.

O que eu digo é que não há problemas estruturais na arqueologia - para além da precariedade, de não haver carreiras científicas, do imobilismo da DGPC e os projectos de impacte ambiental serem financiados pelos donos das obras, com a contratação dos arqueólogos a ser feita única e exclusivamente com base no menor preço oferecido.

Assédio? Certamente. Ilegalidades, amoralidades? Certamente. Como alguém disse atrás e muito bem, há mecanismos para se lidar com tudo isso. E quem sabe, ou testemunha, deve denunciar. É o que eu faço. Sempre. Se já vi e denunciei coisas que me pareceram pouco éticas, como professores com alunas e professores com alunos em escavações? Claro que sim. Foram contudo fenómenos residuais.

 Agora o que vem aqui descrito por esta senhora para a "sua" realidade é estrutural em Portugal? Isso é estratégia para levantar lebres e aparecer nos jornais. Fazer, no fundo, prova de vida já que, muitas vezes, essas pessoas são medíocres cientistas, não tendo palco com a sua obra científica.

O que chateia nestas coisas é, como disse atrás, a má fé e o excesso.

O exemplo do racismo é paradigmático: quando se diz que há racismo estrutural ou que "Portugal é um país racista" como se os países pudessem ser racistas, está-se a criar o soundbyte confrontacional perfeito.

Ninguém com dois dedos de testa vai negar que há discriminação em Portugal, suave, dissimulada. Ou que há racistas. Há,e muitos, basta pegar em muitos dos retornados de 74/75 e falar com um deles, ou falar com as populações do alentejo raiano sobre ciganos.

Mas daí a dizer que Portugal é como o sul da América ou como a África do Sul do Pik Bhotta vai um passo de gigante, que é não apenas ridículo, como plena má fé.

Se "Portugal é um país racista", então somos todos racistas. Mais uma vez, o dogma woke a emular a ICAR, em que somos todos pecadores, maculados à nascença pelo facto de sermos portugueses.

Se "Portugal é estruturalmente racista" então há estruturas em Portugal, montadas pelo Estado, para prevenir que pessoas racializadas tenham acesso à FP, às escolas, à educação

Ora, quem tem ainda bom senso, revolta-se contra esse argumento. Só que, ao fazê-lo, perde a razão - "eh pá, se achas que não há racismo estrutural em Portugal é porque és racista e queres perpetuar o teu lugar de poder" como se nós, precários, desempregados, desfavorecidos tivéssemos alguma vantagem em sermos (mais ou menos) brancos.

Com estas coisas de se trazer para aqui os problemas dos EUA e do Brasil - países que, ao contrário de Portugal, têm grande parte da sua população diretamente traçável até aos tempos da escravatura, com a cor de pele a denunciar esse estigma - ganham apenas os extremistas e os carreiristas que fazem a sua vida académica e profissional à custa de um "moralismo superior", outorgando-se eles como os únicos guardiões do que é ou não é politicamente correto fazer-se. Entretanto, zero avanços na desigualdade económica e social para os restantes 99.9% dos desfavorecidos.

Portanto, Rui, respondendo à tua questão, não acho que existam estruturas problemático-discriminativo-opressivas montadas na Arqueologia.

Acho sim que, como em todo o lado, existem problemas pontuais e que deverão ser os seus protagonistas a lidar com eles, utilizando as ferramentas ao seu dispor e denunciando publicamente a situação quando essas ferramentas não funcionarem.




Em sex., 2 de abr. de 2021 às 16:10, Rui Oliveira <oliveira.rui.mg@gmail.com> escreveu:
Então mas quando falamos em desigualdade social, não estamos necessariamente a falar de discriminação e, portanto, de diferenças? Ou deverei entender que essas diferenças são explicáveis somente pela acção do indivíduo e não de todo o seu contexto (e ainda alguma sorte)?

Afinal o Alexandre acha que, relativamente a estas questões, há problemas estruturais em Portugal, ou não? Confesso que nunca vi ninguém a tentar argumentar que "TODAS as experiências" são violentas ou abusivas; de qualquer modo, não me parece que para um problema ser estrutural, todas as experiências tenham que ser assim.

A lista que enunciou é uma lista de excepções que confirmam a regra (sendo a regra aqui entendida como o sistema/estrutura/modelo institucional, como queiram) ou está a usá-las para mostrar uma verdadeira tendência contrária ao tal discurso da "extrema esquerda"? Não estará a cometer o próprio erro de que Bloom fala?

Se é verdade que há uma "sempiterna luta pelo poder", não é igualmente verdade que foram os "brancos bons" a manipulá-lo durante centenas de anos para os seus interesses? Vamos negar a influência das políticas ocidentais na construção do mundo moderno e nos problemas actuais porque de vez em quando lá há um negro ou uma mulher que se safam bem na vida? Ou negamos as estatísticas dos estudos que apontam para estas desigualdades e medimos tudo a partir da nossa janela, como estava a fazer o Ricardo Gaidão (e semelhante tentativa vejo na lista que o Alexandre compôs)? É que assim para a falta de situações de discriminação que ele mencionou, eu posso facilmente descrever uma mentalidade machista que predomina em Portugal, seja na arqueologia ou noutra área qualquer. E apostaria sem grandes problemas que qualquer estudo estatístico nesse sentido iria suportar a minha opinião. Outro ponto interessante é que, na minha experiência, as atitudes mais "negacionistas" vêm quase sempre de homens brancos e raramente das próprias potenciais vítimas.

E se há um nicho que certamente se está a aproveitar politicamente destes tópicos para ganhar votos ou lucros ou só para lavar um pouco a cara, então isso é razão para levar os problemas menos a sério? Por pouco honrados que sejam, não foi graças a este tipo de fenómenos que ganhámos os direitos que temos hoje? Ou chegámos ali a 1789 e alguém lá se lembrou que a Monarquia estava demodé e que chegara a altura da democracia? Ou será que de repente algum homem no poder lá se lembrou que não devia haver escravos ou que as mulheres deviam votar?

Quem partilhou o estudo da Barbara Voss não fez qualquer comentário sequer sobre a situação em Portugal, apenas mencionou um estudo feito sobre realidades noutros países...e citou algo que eu mais vejo que sirva como "food for thought" mas o Ricardo assumiu logo que isso equivalia a transpôr esses "problemas epidémicos" para Portugal e usou os seus 20 anos de experiência para desmentir cabalmente qualquer problema estrutural...não deveríamos então primeiro tentar perceber se efectivamente há um problema de bullying e discriminação na arqueologia portuguesa? (se é que não foi ainda feito, confesso que não sei)

Tenho mesmo dificuldade em perceber como é que pessoas que trabalham em ciências sociais, que estão habituadas a ler sobre como a força, a opressão, a discriminação, e até a educação têm sido constantemente usadas ao longo dos tempos para perpetuar estruturas de poder tão facilmente rejeitam a existência de problemas estruturais na nossa sociedade.

Cumprimentos
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