OLHARES DA UC
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A
Universidade que ensina também aprende?
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No
turbilhão de transformações que a Universidade Portuguesa tem passado nos
últimos tempos não tem havido muito tempo para reflectir sobre a pedagogia.
Num curto espaço de tempo as instituições de ensino superior foram
confrontadas com a reforma de Bolonha e a dramática alteração dos planos
curriculares, com a reorganização, mais ou menos voluntária, dos centros de
investigação e com a alteração profunda do enquadramento jurídico das suas
estruturas de gestão, tudo isto sobre um pano de fundo de crise financeira
agravada, resultado de alterações significativas a nível orçamental.
Mas esta maré de mudanças ainda não esgotou todas as suas vagas.
Aproxima–se nova fase deste processo: a reforma efectiva dos
conteúdos que as novas estruturas devem albergar. Depois das reformas
curriculares, que alteraram a duração dos ciclos, a atenção irá
centrar–se sobre as formas de ensino, a sua eficácia e qualidade. Num
processo paralelo, a nível da gestão universitária, a atenção irá
deslocar–se das novas estruturas de governo criadas pelas reformas em
curso para a qualidade dos processos de gestão que nelas se irão desenvolver.
Esta nova vaga chegará à universidade sob a forma dos novos processos de
avaliação. Tudo indica que o novo ciclo de avaliação estará muito mais
centrado em entender se a instituição utiliza de facto os recursos ao seu
dispor para cumprir a sua missão da forma mais eficaz possível do que em
avaliar somente a qualidade científica da sua produção.
Sou do tempo em que se recebiam as comissões de avaliação dos cursos
colocando numa grande mesa todas as publicações dos professores, para
mostrar de forma inequívoca a qualidade científica do ensino ministrado.
Era uma visão impressionante. Contudo, toda a informação estatística básica
sobre o curso tinha sido recolhida apressadamente por processos
ad–hoc, na ausência de mecanismos regulares de monitorização, e não
existia qualquer documento escrito de reflexão sobre a estratégia
pedagógica, nem sequer uma noção clara sobre quem era o responsável da
qualidade de ensino do curso.
Sempre se pressupôs que a qualidade de ensino emanava directamente da boa
ciência e que os mecanismos de mediação entre um e outro plano não mereciam
grande atenção. E é por isso que a universidade não tem qualquer processo
interno regular de promoção e desenvolvimento da eficácia pedagógica dos
docentes (e quanto o tenta, pontualmente, só atinge a minoria dos
“convertidos”). Para dizer a verdade, esse é um assunto mais ou
menos “tabu”.
Do mesmo modo se assumiu que a capacidade de gestão emanava directamente do
nível académico das pessoas que a exerciam. É por isso que os planos de
formação e desenvolvimento de recursos humanos da universidade, em matéria
de competências de gestão ou implementação de processos de qualidade, não
incluem, normalmente, professores. Enviar um recém eleito director de
departamento para um curso de formação em gestão e liderança é algo que não
acontece na nossa universidade.
É quase seguro que os novos processos de avaliação vão obrigar a questionar
estes pressupostos implícitos. Muito provavelmente os guiões de
auto–avaliação incluirão uma questão do tipo: “por que processos
a universidade promove o desenvolvimento das capacidades pedagógicas e de
gestão do seu corpo docente?”. Ter uma boa resposta a esta questão
implica a instalação de processos de aprendizagem por parte do pessoal
docente, quer no que toca ao plano pedagógico, quer no que toca ao plano da
gestão institucional. De forma mais geral implica uma cultura de
aprendizagem muito mais ubíqua dentro da instituição.
Numa visão optimista podemos esperar que a verdadeira mutação pedagógica
será fruto não apenas da assimilação forçada de novos conceitos importados,
mas do facto de que toda instituição se moveu na direcção de uma cultura de
aprendizagem partilhada.
E assim talvez a mistura de susto, incerteza, novidade e vontade de saber
não seja, na universidade, um privilégio dos estudantes que a ela chegam
pela primeira vez e constitua antes a essência do espírito partilhado de
uma comunidade que ensina e aprende.
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A
Internet, a propriedade intelectual e a moral dos tempos
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A
distribuição e troca, através da internet, de ficheiros com conteúdos
protegidos por direitos de autor, está a atingir proporções endémicas a
nível planetário, colocando importantes questões de tipo económico,
jurídico e tecnológico.
Existe uma dimensão fascinante da questão que não é muito debatida: a
questão moral. Num período de poucos anos milhões de pessoas passaram a
realizar regularmente com a maior naturalidade actos que são tecnicamente
ilegais (puníveis, de facto, com prisão).
Tenho notado, com frequência crescente, situações que parecem revelar uma
espécie de “buraco negro moral” centrado na cópia de conteúdos
pela internet. Alguns episódios concretos ilustram bem o problema.
Num jantar social um dos convivas revela, com manifesto orgulho, como criou
um DVD contendo 5 cópias (ilegais, obviamente) de filmes centrados em
histórias de recém nascidos para oferecer a uma amiga que tinha sido mãe
pela primeira vez. Estou absolutamente seguro que a mesma pessoa seria
incapaz de entrar num jardim alheio para colher sem autorização 5 flores
para oferecer à mesma amiga.
Sei de vários pais que deram dinheiro aos filhos para que estes fizessem
modificar as suas consolas de jogos, habilitando-as a executar cópias
piratas de jogos. Sei que estes pais reagiriam com extrema severidade se
soubessem que um filho seu tinha roubado um desses jogos numa loja.
Porquê esta dualidade moral?
A maior parte dos princípios e regras que regem a vida social implicam a
existência de uma “teoria” que justifica porque é que a norma é
necessária e quais as consequências nocivas que resultariam do seu não
cumprimento. Essas teorias derivam de sistemas de crenças, que ligam o
interesse individual e o interesse colectivo. Para obedecer à regra, é
preciso acreditar na “teoria” que a justifica.
Quando uma teoria é “complicada” de perceber e não gera com
regularidade experiências concretas que a comprovam, então o interesse
individual imediato tende a controlar os comportamentos.
É o que acontece com a cópia de conteúdos pela internet. Embora o princípio
geral de respeito da propriedade seja uma “teoria” aceite há
milénios, embora a extensão desse princípio às criações intelectuais tenha
sido consolidada há séculos, a migração digital dos conteúdos perturba os
mecanismos pelos quais os indivíduos demonstram a si mesmos que a teoria é
boa.
Se roubar um CD em casa de um amigo, o objecto deixa de estar na posse de
uma pessoa e passa para a de outra. Ninguém duvida que isto é um roubo e
deve ser punido.
Mas quando copio o CD do meu amigo para o meu computador, ele não perde
nada. Em vez de se queixar, fica feliz por me prestar esse favor. A ideia
de que o conteúdo do CD é propriedade de um terceiro e que esta cópia é uma
forma de roubo não tem nenhuma tradução visível. É uma abstracção pura.
Para além disso a internet permite a apropriação de objectos num ambiente
físico que é completamente o inverso do que, na nossa experiência,
associamos a um roubo: estamos em casa, não corremos riscos de ser
apanhados, não temos que exercer qualquer forma de violência e só temos
notícia muito remota de alguém ter sido punido por fazer isto.
Esta dificuldade não é obviamente exclusivo da internet. O mesmo acontece
em relação aos comportamentos relacionados com a preservação a longo prazo
do ambiente ou o respeito pela diversidade cultural e religiosa.
Mas as sociedades humanas têm encontrado meios para superar estas
dificuldades. Não nos esqueçamos que houve um tempo em que nas cidades todo
o tipo de imundices eram lançadas pelas janelas para a rua e os médicos não
lavavam as mãos antes de assistirem a um parto. Foi preciso generalizar a
crença em algo que não era evidente e que muito poucos conseguiam de facto
demonstrar directamente a si mesmos: a existência de organismos invisíveis
que eram responsáveis por inúmeras doenças. Hoje a higiene pública e
privada é um comportamento quase instintivo.
As nossas economias são crescentemente baseadas na criatividade, inovação e
conhecimento. Se não conseguirmos interiorizar as regras que protegem e
estimulam a emergência desses factores estaremos tão mal como os nosso
antepassados que padeciam, sem saber, da acção dos germes que eles próprios
cultivavam.
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Isabel
Maria Paiva dos Reis
Assistente
Técnico
Departamento
Académico
APOIO
TÉCNICO-PEDAGÓGICO A ESTUDANTES DEFICIENTES DA
UNIVERSIDADE
DE COIMBRA
Tel 239857000
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