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[Histport] Demolição da antiga Escola Primária da Sobreda - A posição do Centro de Arqueologia de Almada

To :   "histport" <histport@uc.pt>, "museum" <museum@ci.uc.pt>
Subject :   [Histport] Demolição da antiga Escola Primária da Sobreda - A posição do Centro de Arqueologia de Almada
From :   José d'Encarnação <jde@fl.uc.pt>
Date :   Tue, 5 May 2020 19:52:59 +0100

No passado dia 15 de abril, sem qualquer aviso prévio, foi demolido

o edifício da antiga Escola Primária da Sobreda, um imóvel com

valor histórico e patrimonial abrangido pela faixa de proteção do

núcleo histórico da povoação. O Centro de Arqueologia de Almada

lamenta profundamente o desaparecimento deste elemento

patrimonial marcante da história da Sobreda e da vivência das suas

gentes. Sobre esta decisão incompreensível, o CAA solicitou

esclarecimentos à Câmara e à Assembleia Municipal, tendo

também informado os diversos grupos parlamentares com

representação municipal.

 

Breve história da escola e do seu edifício

A primeira escola pública da Sobreda, na altura só para rapazes, foi

criada em 1881. Com a implantação da República, em 1910, houve

um esforço dos governos nacionais para erradicar o analfabetismo

e tornar o ensino universal. Em 1913, no contexto da reforma

educativa levada a cabo pelo governo republicano, abriu a primeira

escola pública e mista da Sobreda. Agora, o edifício onde se

instalou essa escola foi demolido.

 

A escolaridade começou a abranger faixas da população que até

então não tinham acesso à escola, nomeadamente raparigas e

crianças oriundas de famílias pobres. No sentido de apoiar os

alunos e alunas carenciados, foi criada na Sobreda, em 1913, a

“Caixa Escolar da Sobreda”. Esta instituição funcionava com quotas

pagas pelos associados. Facultava livros, material escolar,

vestuário e calçado a quem deles necessitasse. Além disso,

organizava passeios escolares, o que denota a atenção dada não

só a fatores económicos, mas também a aspectos pedagógicos.

Mais tarde, estando o edifício em mau estado, é um privado –

António José Piano Júnior – que toma a iniciativa de o comprar,

recuperar e doar à Câmara Municipal. Após o 25 de Abril, as salas

de aula foram usadas em horário noturno para alfabetização.

Manteve-se em funcionamento como escola até ao final da década

de 1980. Depois de encerrar, o espaço foi usado como estaleiro da

Junta de Freguesia e balneário dos cantoneiros municipais.

Aquando da reorganização administrativa de 2013, a Junta de

Freguesia da Sobreda programava a construção de um novo

estaleiro e a subsequente recuperação do edifício.

 

Valor patrimonial

De acordo com a lei em vigor: “integram o património cultural todos

os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de

cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser

objecto de especial protecção e valorização” (Lei 107/2001).

A história desta escola remete para marcos fundamentais da

promoção do ensino em Portugal, e no concelho de Almada em

particular, afirmando a educação pública e universal como um dos

maiores valores de civilização de todos os tempos.

Por outro lado, enquanto edifício público e laico, preservava

memórias transversais a várias dimensões sociais e a diferentes

gerações de sobredenses.

 

Aspectos normativos

O edifício da Escola da Sobreda situa-se na faixa de proteção do

núcleo histórico da Sobreda e, por isso, ao abrigo das

condicionantes estabelecidas no Plano Diretor Municipal de Almada

em vigor (Diário da República, 1ª série-B, de 14 de janeiro de 1997).

A sua demolição não respeitou nos Art.ºs 75 (demolições) e 81

(alteração de usos).

O imóvel está também sinalizado na Carta do Património Cultural

do Concelho de Almada, executada pelo CAA a pedido da Câmara

Municipal. Foi aí inventariado com um nível de interesse Relevante.

 

Neste contexto, a demolição desrespeitou igualmente o Art.º 48 do

Regulamento Urbanístico do Município de Almada, que limita

expressamente essa operação no edificado referenciado como

tendo “valor histórico, cultural ou arquitectónico relevante”.

Num plano mais geral, desrespeitou também a Lei de Bases do

Património Cultural (Lei 107/2001). Esta determina que “todos têm o

dever de defender e conservar o património cultural, impedindo […]

a destruição, deterioração ou perda de bens culturais” (Art.º 11), e

atribui responsabilidades especiais à Administração pública e às

autoridades locais (Art.º 3).

 

Conclusão e Proposta

Por todos estes motivos, o CAA não concorda com a demolição da

Escola Primária da Sobreda e entende que esta operação não

respeitou a legislação nacional e os normativos municipais.

Não podendo já ser reabilitado o edifício, como há muito era

reclamado, o CAA propõe que em seu lugar seja construído outro,

que constitua um espaço de Memória para usufruto da comunidade

local. A gestão da circulação rodoviária encontrará seguramente

alternativas compatíveis com esta proposta.

 

O Grupo Coordenador do Centro de Arqueologia de Almada,

4 de Maio de 2020.

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