Padrão dos Descobrimentos ... vandalizado?
Ainda há uns dias, trocava ideias com uma ilustre
Colega, acerca do “modelo antropológico do agir humano” que formulei em 2011, na minha passagem pelo Curso de Doutoramento em Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, e está no documento que lhe enviei. Por estar
na base da compreensão do Património. E porque talvez fosse oportuno fazer uma Exposição-Instalação (participativa e educativa), composta pelos «5 módulos» correspondentes às «5 variáveis» do referido “modelo”.
Até sugerimos possíveis designações, por exemplo: “Património, hoje”, “Compreender o Património”, “O Lugar do Património“, “Como o Património pode ajudar a reflectir sobre os desafios do presente e do futuro»,
e outros nomes parecidos.
Tal desiderato, contribuiria para avaliar o contributo do Património para os problemas que afectam hoje o «viver humano na sociedade» (género, etnicidade, multiculturalismo, cidadania, identidade&território,
“post-colonial studies”, transnacionalismo, pessoa humana & pós-humanidade, tecnologia, objectos digitais e imateriais, natureza/cultura, autoridade do Museu na definição das narrativas, etc.).
O episódio do graffiti no “Padrão dos Descobrimentos”, a somar a muitos outros que recentemente têm ocorrido, vêem dar razão à necessidade daquela Exposição-Instalação. Em que os visitantes eram convidados
ao exercício de localizarem o Património num dos cinco módulos (variáveis) que constituem o “modelo antropológico do agir humano”.
Quando lemos a frase que vandalizou o monumento designado “Padrão dos Descobrimentos” no dia 8 de agosto de 2021, em Lisboa, em frente ao Mosteiro dos Jerónimos ... não lemos nada diferente do que, por exemplo,
Vitorino Magalhães Godinho escreveu sobre os “Descobrimentos Portugueses”. Essa redução dos factos/obectos a um mero desígnio materialista e económico (essa redução materialista e marxista da “École des Annalles”), talvez tenha sido a fonte inspiradora
de quem escreveu aquela frase, apelidada de “vandalismo”.
EM SUMA, este meu comentário é a renovação da crítica à Política de Património, que tenho vindo a fazer há alguns anos. Concretamente, o erro em terem entregue à DGPC (e aos outros organismos a que este nome sucedeu)
ao total domínio da arquitectura e arqueologia. Ou seja, a terem privilegiado apenas uma das três partes por que se compõe o Património. Chamei a isso, aqui na
Museum lista, de «redução da realidade à trigonometria, e àquilo que foi no Passado».
Essa opção e escolha feitas pela actual Política do Património, conduziu à prevalência do
Objeto. E, consequentemente, à menorização do Uso (documentação, «aquilo que o torna um Documento») e do
Valor (narrativa, interpretação, «aquilo que define o que ele é»).
O Património, nesta Política do Património, é sobretudo «o
Objecto e a sua história arqueológica». Como se a materialidade e a fisicalidade dos objectos e factos fossem uma realidade com a mesma imutabilidade do que o
Documento e o Valor. Como se a realidade não fosse sobretudo uma “categoria mental” e uma “representação” que o viver humano faz. Essa ilusão materialista e positivista da Evidência é um erro de palmatória, cujas repercussões se estão agora a
começar a fazer sentir. Nem era necessário recuar à origem desse erro, bastaria ler o “Tratado da Evidência” de Fernando Gil. Ou entender o que é hoje a «verdade» na matemática, na ciência e nos actuais avanços tecnológicos, quando se usa a equação
de Bayes ou o teorema de Gödel na IA, computação, robótica ou regeneração molecular.
O Ser-humano mudou em relação ao que era no final do séc.XX (o seu corpo e a sua mentalidade). É de uma nova mentalidade e de uma nova concepção de «o que ele acha que agora é», que passará a fazer a interpretação
do Património. Logo, o Objecto permanecerá na sua arquitectura e história arqueológica, mas aquilo que o torna
Documento e aquilo que lhe confere Valor para ao actual viver humano em sociedade mudarão.
Perante estes actos de “vandalismo” os Responsáveis Políticos pelo Património ficam totalmente à deriva, sem conseguirem dar uma resposta. Que não seja esconderem-se na necessidade de uma acção securitária, repressiva
e punitiva. Que é necessária, mas que não resolve o problema, nem apaga a resposta que a Política de Património tinha a obrigação de dar. Ou dito, de outro modo, o “Padrão dos Descobrimentos” nunca mais será Património pelas mesmas razões e justificações dadas
anteriormente.
Aquele Objeto (“Padrão dos Descobrimentos”) não é Património apenas por causa da sua arquitectura e da sua história arqueológica. Ele só se constitui como Património quando, a essa sua materialidade e à arqueologia
do seu passado, se juntarem «aquilo que o torna num Documento» (Uso) e «a definição que o actual viver humano lhe dá doravante». São três ingredientes diferentes, cuja velocidade de mudança em termos de Conservação e Preservação é obviamente diferente.
O que hoje devia estar escrito nas “tabelas” e “folhas de sala”, assim como a “narrativa” do que representa aquele Objeto/Monumento designado “Padrão dos Descobrimento”, não são as que lá estão.
Tal como referi no início, esta lacuna quer na Política do Património, quer no estudo académico e compreensão do que é o património (Patrimologia), teriam a ganhar, quiçá, com o tal acto pedagógico e educativo
que designei por Exposição-Instalação.
Pedro Manuel-Cardoso
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