Poderão os museus, algum dia, sair da
casa dos horrores e terrores que a espécie humana construiu para si, e para o seu viver?
A casa constituída pela inexorabilidade da «dualidade opositiva, inversa, isomorficamente simétrica, em permanente conflito».
Esses dois lados são apresentados como o tudo, e o espaço todo da Vida. Expressam o ‘programa’ (software) inculcado na espécie humana, a que a Natureza a condenou. Concretamente:
--- O horror de «viver no Social» (por ex., a obrigatoriedade de viver numa pequena aldeia, ou numa outra qualquer pequena comunidade noutro lugar qualquer), é exactamente igual ao terror de «viver no Individual»
(por ex., num bairro urbano, numa cidade de milhões de miscigenados à força). O horror de «ser Pobre», é exactamente igual ao terror de «ser Rico». O horror de viver no tempo parado da «Paz», é exactamente igual ao terror do tempo de «Guerra». O horror de
não querer ter um «Género», é exactamente igual ao terror de ter de ter outro. O horror da solidão (i.e., só conseguirmos ouvir a nossa voz, aquela que não se cala cá dentro), é exactamente igual ao terror da vozearia da festa (i.e., sermos obrigados a rir,
a cantar, a comemorar, e a chorar quando os outros estão a fazer isso). O horror de «ser tudo Falso» (i.e., de nos servirmos da modéstia para nos evidenciarmos, da humildade para conquistarmos, da virtude para oprimirmos, da verdade para enganarmos, da certeza
para iludirmos, da dúvida para penetrarmos), é exactamente igual ao terror de «ser tudo Verdadeiro» (i.e., de se acreditar que há uma verdade acima de nós e uma certeza absoluta). O horror de algum dia «ter sido colonialista e esclavagista» (i.e., se ter sido
educador e genocida dos outros), é exactamente igual ao terror de um dia «se poder ser escravizado e colonizado» (i.e, se perder a soberania e a identidade). O horror de querer ser «Diferente», é exactamente igual ao terror de ser obrigado a ser «Igual». O
horror de ser dos «Pró», é exactamente igual ao terror de ser dos «Contra». O horror de ser de «Uns», é exactamente igual ao terror de ser dos «Outros». O horror de querer «Ser», é exactamente igual ao terror de querer «Não-Ser».
E, assim, sucessivamente.
Os museus, no seu trabalho de musealizar (preservar – documentar/estudar – expor/comunicar – transmitir aos vindouros), têm alguma possibilidade de sair desta casa dos horrores e terrores na qual estão
encarcerados?
Pedro Manuel-Cardoso
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