Pois é, meus amigos, o tema do detectorismo e dos detectores de
metais volta periodicamente às páginas da Archport e, curiosamente,
quase sempre trazido pelo mesmo? Tenho por vezes a sensação de que é
preocupação exclusiva.
Vamos por partes e com alguma extensão, aos assuntos que
verdadeiramente interessam.
1. Detectores e detectorismo
Como já tenho afirmado por diversas vezes, não tenho nenhuma
objecção de princípio ao uso de detectores de metais, desde que
devidamente integrados em projecto credível de investigação,
devidamente autorizado e escrutinado. Um detector de metais é um
artefacto de prospecção como outro qualquer e o seu uso é
absolutamente lícito e normal ? em muitos dos programas de
prospecção sistemática não-invasiva de sítios arqueológicos é usado
em associação e complementarmente com magnetómetros, geo-radares e
outros (por isso é que em alguns países as interdições não se
limitam aos detectores de metal, mas discriminam todos os outros
meios de detecção, mas já lá vamos?).
Os detectores de metais têm sido usados em diversas circunstâncias
com óbvios proveitos para a investigação arqueológica. Recordo, uma
vez mais, o caso dos antigos campos de batalha, de que o célebre
campo de Little Big Horn foi o mais notável pioneiro, referência e
exemplo para muitos outros estudos posteriores.
Também não voltarei ao Projecto Ipsiis, o mais conhecido e
bem-sucedido projecto de colaboração entre arqueólogos e
detectoristas que se desenvolveu em Portugal. Aproveito mesmo para
dizer que este projecto se desenvolveu em área de praias. Como
arqueólogo, ou seja, como estudioso de Cultura em Contexto não vejo
nenhum inconveniente em que se usem detectores de metais e se exerça
livremente esse hobby em todas as praias do país, onde, por
definição, todos os artefactos historicamente relevantes se
encontrarão já fora de qualquer contexto primário de deposição (por
isso também, como se verá, as legislações dos diversos países são
mais permissivas para as zonas de praia).
Assim, nada tenho contra detectores usados em projectos
arqueológicos devidamente autorizados e fiscalizados, nada tenho
contra a colaboração de detectoristas com trabalhos arqueológicos,
desde que devidamente autorizados e fiscalizados.
2. Legislações e práticas
Sinceramente, não tenho nenhum conhecimento das tais práticas de
outros países que tenham demonstrado a bondade da permissividade
para com o detectorismo. Pelo contrário, registo um coerente e
sistemático esforço de legislar e controlar essas práticas,
invariavelmente, em nome da defesa do interesse público na
conservação da memória histórica.
Alguns exemplos, absolutamente insuspeitos: Estados Unidos da
América do Norte, o país da liberdade e da livre-iniciativa:
http://www.mdhtalk.org/articles/legal-to-detect/legal-to-detect.htm
veja-se o comentário final a este texto publicado num site de detectoristas:
?In Summary - Where is it legal to metal detect? From this short
article you may draw the conclusion that there are very few places
to metal detect in the U.S. That is not really the case. Many county
and city properties are available to metal detect as well as fresh
and salt water beaches. The only catch is that there are many local
and state regulations that can cause a beach or a portion of a beach
to be off limits. The ability to know where it is lawful or unlawful
falls on the individual detectorist to seek out the answer.
There is information on the web but it is not comprehensive and will
not cover all counties, cities and school districts. The best
approach is to join or establish a metal detecting club and have a
few of the members become experts on the laws, regulations and city
ordinances in your area.
You may say to yourself my own yard is safe to metal detect, well
yes and no. If your property is on the historical register, is part
of an archaeology site or may have Native American burial grounds
your property will be off limits to metal detecting.?
Os sublinhados são da minha autoria. Registo, naturalmente, a
autorização genérica nas praias e a limitação ao exercício do hobby
mesmo em terra própria, quando ali existe um sítio arqueológico?
Para quem sabe o que vale a propriedade para a legislação americana,
bem poderá pensar que é uma lei totalitária!... Bom, não é bem
assim, é somente a consciência devidamente assumida do património
arqueológico como valor público. Por isso se sublinha, mais de uma
vez, que se pode ser judicialmente processado se não se cumprirem as
regras.
E em Espanha?... Uma vez mais, veja-se e breve resenha recolhida de
novo em site de detectorismo:
http://buscadoresdetesoros.net/index.php?option=com_kunena&func=view&catid=10&id=5633&Itemid=176
De novo, as praias livres e, sim leitor, leu bem: são mesmo penas de
prisão para além das coimas. Por isso não admira que o nosso país
seja essa maravilhosa terra prometida para os detectoristas
espanhóis e não creio que eles costumem obter a autorização dos
proprietários para exercer o seu hobby.
3. Sobre os Tombaroli?
Sinceramente, não sei bem o que seja o problema dos tombaroli? Ou
melhor, creio que o seu (deles) problema não é substancialmente
diferente do problema do ?agarrado? que assalta uma vivenda (ou um
automóvel) e vende por tuta e meia o produto do saque, porque só
precisa mesmo de comprar a próxima ?dose?, a alguém que faz depois
bom dinheiro com o produto do saque nos mercados oficiosos. Mas essa
situação começou a mudar drasticamente (felizmente) nos últimos anos
e não vejo nenhuma razão para tanta complacência. Voltando ao caso
espanhol, a Andaluzia, que era a região com maior incidência desse
suposto "detectorismo de subsistência" é justamente a região que tem
legislação específica de interdição.
Para quem não conhece, recomendo a leitura do livro do Peter Wilson,
que até já está traduzido em português:
Peter Wilson; Cecilia Todeschini (2006) - The Medici Conspiracy: The
Illicit Journey of Looted Antiquities, from Italy Tomb Raiders to
the World Greatest Museums
Peter Watson ; Cecília Todeschini, A Conspiração Medici
Edição/reimpressão: 2007
Páginas: 400, Editor: Quidnovi; ISBN: 9789728998615
Bem sei que o título pode fazer pensar em Dan Brown, mas não é disso
que se trata, mas antes da fantástica história de uma investigação
persistente e meticulosa da polícia italiana, desde os tombaroli até
aos grandes tubarões, casas de leilões, ?beautiful people? e museus
americanos, que desencadeou uma enorme onda de processos judiciais,
muitos deles já resolvidos, com a devolução a Itália de muitas
antiguidades saqueadas e vendidas.
Para quem quiser um aperitivo, aqui vai:
"The story begins, as stories do in all good thrillers, with a
botched robbery and a police chase. Eight Apuleian vases of the
fourth century B.C. are discovered in the swimming pool of a
German-based art smuggler. More valuable than the recovery of the
vases, however, is the discovery of the smuggler's card index
detailing his deals and dealers. It reveals the existence of a web
of tombaroli?tomb raiders? who steal classical artifacts, and a
network of dealers and smugglers who spirit them out of Italy and
into the hands of wealthy collectors and museums. Peter Watson, a
former investigative journalist for the London Sunday Times and
author of two previous exposés of art world scandals, names the key
figures in this network that has depleted Europe's classical
artifacts. Among the loot are the irreplaceable and highly
collectable vases of Euphronius, the equivalent in their field of
the sculpture of Bernini or the painting of Michelangelo. The
narrative leads to the doors of some major institutions: Sothebys,
the Getty Museum in L.A., the Museum of Fine Arts in Boston, and the
Metropolitan Museum of Art in New York among them. Filled with great
characters and human drama, The Medici Conspiracy authoritatively
exposes another shameful round in one of the oldest games in the
world: theft, smuggling and duplicitous dealing, all in the name of
art.?
Vendo a última revisão do Código de Ética para os Museus (do ICOM),
aprovada em Seul, em 2006, parece-me clara a existência de um claro
reflexo destes temas, particularmente os artigos 2.2. a 2.4. Não
vejo como este articulado possa ter alguma espécie de tolerância
para com as práticas de recolha não autorizada de artefactos
arqueológicos.
4. E a Inglaterra, a livre Albion, paraíso do detectorismo?
Bom, para começar, o tema do detectorismo livre não é tão consensual
como por vezes se faz crer. Mas, somente a título de exemplo, aqui
vos deixo notícias de dois espectaculares achados recentes,
provavelmente dos mais importantes da época romana documentados nos
últimos anos:
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2218640/Novice-treasure-hunter-bought-basic-metal-detector-40-Roman-coins-worth-100-000.html
http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2170706/Silver-gold-discovered-experts-record-10million-Jersey-coin-hoard.html
O que há de comum nas duas notícias?... A sinalização dos achados às
autoridades competentes e a recuperação dos tesouros feita por
arqueólogos. Em qualquer dos casos, a não divulgação dos lugares de
achado, para evitar outras intervenções não controladas de
detectoristas.
É certo, os achadores (e os proprietários dos terrenos) são
remunerados ou podem mesmo ficar com os achados.
Uma vez mais, como arqueólogo, não tenho nada contra. Uma vez
registado o achado e devidamente controladas as condições de jazida,
registados e documentados os materiais poderão perfeitamente ficar
na posse de outrem. Cumprida ficou a sua função científica.
Pessoalmente, não sou fetichista, nem colecionador, a minha relação
com os artefactos termina no momento em que termina o seu estudo.
Volto a escrever o que já aqui escrevi: quando os detectoristas se
apresentarem junto das autoridades competentes reportando lugares de
achado e achados, a minha opinião sobre as suas práticas e a sua
ética mudará por completo. Por exemplo, recentemente, tive
conhecimento de um detectorista que ofereceu a sua colecção ao Museu
de Vila Franca de Xira e outros que disponibilizaram alguns
materiais recolhidos em sítios arqueológicos devidamente
identificados para uma exposição.
Espero que sejam indícios de que algo está a mudar.
E, já agora, aproveitava para lançar um repto urbi et orbi, porque
não realizar um fórum / encontro de detectoristas e arqueólogos,
onde os primeiros mostrem aos segundos os seus achados, informando
sobre lugares de recolha e contextos. Em troca, os arqueólogos
poderão esclarecer os detectoristas sobre a relevância e significado
dos seus achados. O lugar de encontro poderia ser, por exemplo, o
Museu Nacional de Arqueologia (tal como o Bristish é o habitual
lugar de apresentação e registo das antiguidades encontradas no
Reino-Unido.
Como diria o Bogart, poderia ser o princípio de uma bela amizade, não acham?
Carlos Fabião
________________________________________
De: archport-bounces@ci.uc.pt [archport-bounces@ci.uc.pt] Em Nome De
3raposos@sapo.pt [3raposos@sapo.pt]
Enviado: sábado, 2 de Março de 2013 19:31
Para: archport
Assunto: Re: [Archport] Boas Notícias! (Pero...)
Ciclicamente, regressamos ao tema dos detectores de metais, do qual
creio já estar tudo dito, embora nada feito. Até apetece lembrar
Almada: ?Todas as palavras sobre a salvação do mundo já foram ditas?
agora resta salvá-lo!?
Concordo que é necessário, aqui e agora, existirem alguns casos
punidos exemplarmente, para que a lei não seja meramente decorativa.
Mas ilude-se quem pense que o fundo desta matéria pode resolver-se com
recurso à doutrina salazarista dos ?safanões a tempo?. Nunca em parte
alguma a defesa do património conseguiu obter êxito duradouro quando
se pretendeu basear apenas em acção repressiva. Foi já assim depois do
decreto régio de 1721, quando se ameaçava tratar os delapidadores do
património com as penas aplicadas aos fundidores de moeda (no mínimo,
o corte das mãos; no máximo, a pena de morte) ? situação que aliás
persiste hoje em diversos países, sobretudo islâmicos, sem qualquer
sucesso (é bem sabido que a subida de parada nas penas, maxime a pena
de morte, nunca conseguem alcançar no longo prazo o efeito dissuasor
que pretendem).
A grande, a única solução para esta magna questão é da consciência
cívica de pertença. Ora, se é verdade que em Portugal não vivemos no
passado e continuamos a não viver hoje a situação mais complexa de
outros países, inclusive europeus, onde o saque de antiguidades para
combate à miséria não é sequer objecto de grande recriminação social
(lembremo-nos do drama dos ?tombaroli (?, por exemplo), a verdade é
também, não vejo que haja grande aversão ao detectorismo ? se
houvesse, seriam os povos das aldeias os primeiros a combatê-lo.
Sendo assim, por questões práticas, atenta a realidade portuguesa e
estudada a de outros países, eu sempre entendi, e continuo a entender,
que a lei deveria ser muito mais subtil no tratamento destas matérias,
procurando fazer a ruptura não entre os arqueólogos de um lado e todos
os detectoristas do outro, mas entre os amantes do património de um
lado (os arqueólogos, por certo, mas também parte dos detectoristas,
os que se dispusessem a registar-se e cumprir códigos de conduta
impostos legalmente) e os saqueadores do outro (parte dos
detectoristas e certamente todos mandantes do comércio ilegal de
antiguidades e mesmos os seus recipiendários, normalmente
coleccionadores, pessoas de sociedade ?acima de tosa a suspeita?).
Se nada disto for feito, a doutrina das ?punições exemplares na praça
pública?, tão velha quanto tão ineficaz, não nos garantirá mais do que
de vitórias pírricas, provocando delapidações muito maiores dos que a
que circunstancialmente possa acautelar.
Luís Raposo
Quoting Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabiao <cfabiao@fl.ul.pt>:
Como se dizia num conhecido anúncio comercial de bebidas, a garrafa
está meio cheia, para alguns, e meio vazia, para os outros.
Tem razão Alicia Canto por lamentar que só agora a rede tenha sido
desmontada, quando podia e devia tê-lo sido há vários anos atrás (a
garrafa meio vazia), mas tem de perceber o ponto de vista (meu) de
quem vê há anos sem fim os sítios arqueológicos portugueses serem
saqueados sem que nenhuma rede seja apanhada e menos ainda
desmantelada...
Também não tenho grandes dúvidas de que não há prevenção possível
contra estes crimes. Não se pode (nem o desejo) ter um polícia
escondido atrás de cada azinheira, por isso creio verdadeiramente
que só a exemplar repressão de alguns pode contribuir para dissuadir
outros, como aliás em tantas outras situações. Só criando a real
consciência do risco de punição pode funcionar como elemento
dissuasor, o sentimento de impunidade dominante é o mais poderoso
estímulo, devidamente apimentado pela crise económica e altas taxas
de desemprego...
Saudações
Carlos Fabião
________________________________
De: archport-bounces@ci.uc.pt [archport-bounces@ci.uc.pt] Em Nome De
alicia.canto@uam.es [alicia.canto@uam.es]
Enviado: sábado, 2 de Março de 2013 10:40
Para: archport@ci.uc.pt
Assunto: Re: [Archport] Boas Notícias! (Pero...)
Sí, es buena noticia, pero tardía y habiéndose dejado escapar
durante años las piezas de más valor, ya que este expoliador lleva
más de 15 años "actuando" sin problemas. Es más, como leemos en
Terrae Antiqvae, en esta otra noticia sobre lo
mismo<http://terraeantiqvae.com/group/patrimonioarqueolgico/forum/topics/la-guardia-civil-recupera-mas-de-4-000-piezas-arqueologicas-del-p#.UTHVXTdsv1E> (de El País
de
ayer):
"La operación se inició cuando la Fiscalía de Medio Ambiente y
Urbanismo, que ha dirigido la operación, tuvo conocimiento de que se
iba a realizar una subasta en Alemania de unos cascos que podían
haber salido de España de forma ilegal. En 2008, cuando se puso a la
venta la enorme colección del magnate alemán de la construcción,
Axel Guttmann, el museo Römisch-Germanisches-Zentralmuseum (RGZM)
denunció que entre los objetos había piezas procedentes de España
exportadas ilegalmente, entre ellas el conjunto de cascos, además de
espadas, puñales y lanzas. La fiscalía de Múnich retuvo las piezas y
solicitó al Gobierno español que reclamara su legítima propiedad en
tres meses. No hubo respuesta. Después, en 2009 y 2010 se volvieron
a subastar otros cascos, una venta que, de nuevo, denunció el RGZM,
sin que tuviera ninguna consecuencia, por los que los cascos pasaron
a manos de un museo francés y varios colecci onistas españoles. El
pasado 25 de octubre Christie?s de Londres vendió un nuevo lote,
formado por tres cascos más, que alcanzaron un precio final de
90.000 euros. Nadie lo impidió."
Si esto es así, como parece, yo como española me avergüenzo. Las
actuales capturas se deben al interés de un fiscal, y al de la
Guardia Civil. Pero quienes desde los poderes públicos más debían
velar por el Patrimonio tuvieron ocasión al menos desde 2008, y ni
siquiera contestaron a los ofrecimientos alemanes para parar las
subastas... Saludos.
Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabiao
<cfabiao@fl.ul.pt<mailto:cfabiao@fl.ul.pt>> escribió:
Continuo com esperança de um dia poder ler um artigo deste teor num
jornal português, com personagens nacionais:
http://www.elmundo.es/elmundo/2013/03/01/cultura/1362136111.html
Votos de um bom fim de semana
carlos fabião
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