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[Archport] PP-Cult de novo em atividade

To :   museum <museum@ci.uc.pt>, archport <archport@ci.uc.pt>, histport <histport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] PP-Cult de novo em atividade
From :   Luís Raposo <3raposos@sapo.pt>
Date :   Tue, 03 Mar 2020 09:39:12 +0000

Plataforma pelo Património Cultural (PP-Cult)
de novo em atividade

 
Declaração em anexo, abaixo ou aqui:
http://cidadanialx.blogspot.com/2020/03/patrimonio-cultural-condicao-cidada-de.html
 
Notícia de imprensa junta ou aqui:
https://www.publico.pt/2020/03/02/culturaipsilon/noticia/plataforma-patrimonio-regressa-combater-mercantilizacao-falta-respeito-publico-1906179
 
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[Declaração]

Património Cultural, condição cidadã de futuro
 
Em 16 de Outubro de 2008, através de anúncios na imprensa e de sessão pública em Lisboa, foi dada a conhecer a criação de uma Plataforma pelo Património Cultural (PP-Cult), agregando cerca de duas dezenas de associações de cariz técnico-científico, profissional e cidadão, todas de âmbito nacional. Na ocasião foi igualmente apresentada a declaração da PP-Cult, um manifesto intitulado “O património como valor estratégico e oportunidade nacional” (ver em http://icomos.fa.utl.pt/documentos/DeclaraPlataformaPPCULT.pdf).

Dizia-se, então, que o Património Cultural constitui o valor mais precioso de qualquer país, em especial dos que possuem percursos históricos mais antigos e cujos recursos naturais foram parcialmente exauridos com o tempo, um valor “de que cada geração, presente e futura, se deve considerar como fiel depositária e cuja amplitude transcende a esfera estritamente nacional. Não podemos considerar-nos donos de tudo quanto nos foi colectivamente legado e que pertence em grande medida a quem nos antecedeu, cabendo-nos a nós apenas reparti-lo com os nossos contemporâneos e com quem nos há-de suceder. Cuidar e desenvolver o Património Cultural, muito mais do que uma decorrência da lei, nacional, europeia ou universal constitui, pois, um imperativo civilizacional e de cidadania.” Mais adiante afirmava-se que a PP-Cult visava sobretudo “abrir a via de uma alternativa de esperança no futuro… habilitando os restantes agentes sociais, nomeadamente o Parlamento e o Governo, a melhor exercerem as suas competências próprias e visando sobretudo, em última instância, a adopção da uma linha estratégica de desenvolvimento do País.” E terminava-se referindo que “acima de tudo desejaríamos mobilizar todos, cidadãos e associações cívicas, especialistas e associações científicas ou profissionais, serviços públicos e empresas privadas, representantes eleitos pelo povo e políticos com funções governativas, para um amplo movimento de reflexão e debate que tenha por mote o princípio que nos anima: O PATRIMÓNIO CULTURAL COMO VALOR ESTRATÉGICO E OPORTUNIDADE NACIONAL.”

A actividade da PP-Cult durou até cerca de 2014, tendo promovido diversos debates e produzido textos de reflexão. Um dos primeiros temas tratados foi precisamente o da “Privatização e Arrendamento do Património Cultural: virtualidades e limites”, abordado em debate havido em 27 de Novembro de 2008 no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, e depois desenvolvido em parecer técnico entregue na Assembleia da República, no âmbito da discussão pública sobre uma “Proposta de Lei sobre o Regime Geral dos Bens do Domínio Público", iniciativa legislativa com origem no Ministério das Finanças e que incluía os bens do património cultural no conjunto das práticas de rentabilização admitidas para o conjunto daqueles bens. O vivo debate então gerado e bem assim a aproximação do fim da legislatura conduziram a que a referida Proposta de Lei nunca viesse a ser votada em sede parlamentar, tendo aparentemente sido abandonada.

Hoje a nossa visão é porventura mais alargada, porque enfatiza as transformações que o próprio Património Cultural exerceu e exerce na sociedade e cultura portuguesa e inclui também as mudanças do paradigma decorrentes do seu entendimento como valor de futuro. Mas é ainda com aquele episódio na memória que a PP-Cult agora considera e enquadra as notícias sobre um novo ímpeto na direcção da mercantilização do Património Cultural, seja pela cedência de colecções dos museus nacionais e bens culturais a unidades hoteleiras privadas, para fins principalmente decorativos, seja pela travagem dos processos de classificação por razões de interesse municipal ou governativo, seja ainda pela nomeação de uma nova direcção do organismo de tutela – a Direcção Geral do Património Cultural (DGPC).

O “caso” do empréstimo, quase se diria oferta, dado o prazo de um quarto de século indicado, de colecções adquiridas pelo Estado e incorporadas no Museu Nacional dos Coches a grupo hoteleiro beneficiado pelo Programa REVIVE no espaço da antiga Coudelaria de Alter do Chão, “caso” que a secretária de Estado da Cultura informou ser o primeiro de vários, no que virá a constituir orientação política do Governo, afigura-se particularmente grave, roçando mesmo a irresponsabilidade – vindo além do mais em total contradição com a linha política desenvolvida do antecedente por este e pelo anterior Governo, no âmbito do novo modelo de autonomia de gestão dos museus nacionais ainda em curso de implantação.

Como é sabido, o depósito de colecções de museus e palácios nacionais em pousadas públicas, e bem assim em ministérios e embaixadas, tem raízes muito antigas no tempo, tendo sido especialmente praticado durante o consulado de Oliveira Salazar, no chamado Estado Novo. Às ditas colecções, devidamente inventariadas, acrescem todas as que tiveram origem em aquisições feitas com dinheiro público, tanto de arte antiga, como de produção contemporânea. No conjunto, trata-se de acervo de dimensão e valor, mesmo de mercado, muitíssimo superior aos bens da chamada colecção de arte contemporânea da SEC, de que recentemente se deu pela falta de considerável número de obras, obrigando a actual ministra da Cultura, e muito bem, a participar policialmente. Onde se encontram hoje esses bens, de que se perdeu em grande parte o rasto, especialmente depois dos processos de privatização da rede pública de pousadas? Existem listas? Foram feitas as devidas participações policiais? Se outras razões não existissem, e existem, sendo aliás poderosas (as colecções dos museus apenas podem, segundo a lei, a ética e o mero bom-senso, ser usadas fora dos museus em espaços adequados, não em átrios ou em corredores de hotéis, no âmbito de programas museológicos devidamente validados e por períodos realmente temporários), bastaria o peso da realidade passada e a necessidade urgente de lhe dar resposta, para que novas frentes potencialmente conducentes a novos casos de polícia não fossem tão levianamente abertas.

Sucede que, quase simultaneamente com a divulgação do “caso” acima enunciado, foi dada a conhecer uma nova direcção da DGPC. Quando se esperava que fossem, nesse contexto, enunciadas novas de políticas patrimoniais substantivas, dirigidas para problemas como os que adiante se referem, limitou-se a mesma secretária de Estado da Cultura ao ritual de afirmar que tinha novas orientações, sem contudo as detalhar. Mais não restou, pois, do que procurar no currículo da nova direcção as sugestões que pudessem perspectivar o futuro, fazendo ainda conexão com o dito “caso” das colecções dos museus nacionais. Ora, sendo certo que sempre desejámos, e continuamos a desejar, manter relações de colaboração responsável e profícua com qualquer que seja a chefia do organismo do Património Cultural, é legítimo expressar preocupação, ou até franca oposição, a que possa ser nomeado quem, do histórico passado e até ao presente, poderíamos metaforicamente dizer ter-se situado sempre do “outro lado da mesa”, fazendo lamentável confusão entre “património”, “património público”, “património do Estado” e “património cultural”, e defendendo nomeadamente a finalidade hoteleira dos monumentos nacionais.

É nosso entender, pelo contrário, que os usos meramente mercantis devem sempre constituir excepções, pelos condicionamentos de acesso universal que impõem – situação particularmente relevante quando internacionalmente se assinala este ano a dimensão partilhada pública do Património Cultural. A sua multiplicação recente, às vezes gorada (caso da Fortaleza de Peniche), outras vezes já concretizada ou em curso (caso do Mosteiro de Alcobaça), outra ainda em carteira (caso do Convento de Cristo, em Tomar) constitui uma deriva inaceitável, com a agravante de que vários destes monumentos integram o Património da Humanidade, sendo a sua entrega a privados assegurada por longuíssimos períodos (meio século), ao mesmo tempo que se autorizam inúmeras obras de demolição e fachadismo, sobretudo nos centros históricos. O património imóvel fica assim sujeito a alterações irreversíveis, perdendo-se a história e identidade cultural para sempre, como se a nossa memória comum apenas pudesse manter-se dando lucro e tudo possa, porventura deva, ser reduzido a um preço de mercado.

Em face da insólita conjuntura por que passamos, que só a realidade próxima permitirá elucidar, as associações abaixo subscritas informam que decidiram reactivar a Plataforma pelo Património Cultural, convidando para a integrarem não apenas todas as associações que inicialmente a constituíram, como quaisquer outras, do mesmo âmbito, que a entendam integrar. No imediato, o programa de acção da PP-Cult será o de relançar o debate debaixo da epígrafe geral que a constituiu, “o património como valor estratégico e oportunidade nacional”. Neste sentido, promoveremos uma sessão pública aquando do próximo Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, em 18 de Abril, em local e hora a indicar oportunamente, para a qual convidamos e mesmo convocamos todos os cidadãos e associações. Nenhuma organização da chamada “sociedade civil”, nem ninguém individualmente, deve sentir-se eximido deste apelo, deste verdadeiro brado, como diria Herculano.

Pouco mais de uma década passada sobre o nosso manifesto inicial, é altura de perguntar como evoluímos até agora. E motivos de reflexão não nos faltam para que todos não estejamos preocupados: O que se passa com o inventário e monitorização pelo Estado dos bens móveis e imóveis integrantes do património cultural e nomeadamente dos classificados? Que condições têm os serviços do Estado, a todos os níveis, para executarem as suas funções, num contexto que sabemos ser de despovoamento e desqualificação? Que lugar para a desconcentração ou a descentralização administrativa, a regionalização político-administrativa e a municipalização no que se refere a políticas de património cultural? Que políticas culturais há para os novos patrimónios que se encontram em processo de afirmação social? Quando se prevê a participação legal do associativismo patrimonial na construção do nosso legado comum, retomando designadamente as práticas emergentes de Abril de 1974 da sua participação extensiva nos organismos de consulta do Ministério da Cultura? Como assegurar o cumprimento das leis de enquadramento, visando a protecção dos acervos e a concretização das missões de museus, bibliotecas e arquivos, quando verificamos que vários destes últimos têm vindo até a fechar ou se tornaram praticamente inacessíveis por falta de pessoal? Para quando a regulamentação da actividade de restauro de bens patrimoniais? Que medidas foram tomadas para garantir a protecção do património arqueológico (sítios e colecções), seja em meio urbano, seja em meio rural, seja ainda em maio subaquático, num contexto cada vez mais dominado pela actividade empresarial? Como enfrentar a gentrificação, a crise climática ou a degradação dos ecossistemas e das paisagens culturais, processos inexoráveis do nosso tempo? Conhecendo os prejuízos, potenciais e reais, que benefícios são retirados pelos bens patrimoniais da explosão turística e quem realmente determina como aplicar os recursos daí resultantes? O que foi feito em favor do desenvolvimento de políticas integradas interdepartamentais e interministeriais, visando a valorização e boa gestão do património cultural?

Irá a PP-Cult também desenvolver diligências para que, no mais breve prazo, possamos transmitir a quem de direito as nossas preocupações e as nossas visões de futuro. Pediremos audiências ao Presidente da República, aos Partidos Políticos representados na Assembleia da República, ao Primeiro-Ministro, à Ministra da Cultura e ao Director-Geral do Património Cultural. Iremos igualmente difundir amplamente esta Declaração, tanto junto do mundo associativo e da cidadania, como das autarquias, dos organismos público relevantes e ainda junto dos meios de comunicação social.

Para nós, o património cultural é efectivamente um valor estratégico e oportunidade nacional. É uma condição de construção cidadã do nosso futuro. E tudo faremos para o demonstrar.

1 de Março de 2020.
 
Associações subscritoras,
AAP – Associação dos Arqueólogos Portugueses
APA – Associação Portuguesa de Antropologia
APAC – Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos
APAI – Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial
APOM – Associação Portuguesa de Museologia
BAD - Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas
CPADA – Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente
FAMP – Federação dos Amigos dos Museus de Portugal
Fórum CIDADANIA LX
Fórum de Conservadores-restauradores
Fórum do Património
ICOMOS Portugal
OPRURB – Ofícios do Património e Reabilitação Urbana
PROGESTUR - Associação Portuguesa de Turismo Cultural
STARQ – Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia
 
 
 
 




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