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Re: [Archport] ORDEM DOS ARQUEÓLOGOS:SIM OU NÃO?

To :   "Archport" <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] ORDEM DOS ARQUEÓLOGOS:SIM OU NÃO?
From :   "Paulo Monteiro" <pmonteiro@ntasa.pt>
Date :   Fri, 19 Mar 2010 03:20:15 -0000

Em primeiro lugar, não poderia deixar de saudar a troca de opiniões que tem vindo a acontecer neste espaço – da discussão nasce a luz, como sói dizer-se.

 

Em segundo lugar, não posso deixar de dizer que preferia que se discutissem – aqui e no debate “ao vivo” – ideias e não pessoas, projectos e não entidades. Nunca a fulanização produziu bons resultados nem o apontar acusatório de dedos alguma vez resolveu o que quer que fosse.

 

Passemos então à minha opinião. Vindo da área de estudo da engenharia e tendo tido actividade docente durante alguns anos, estou à vontade para comentar, quer a criação de uma Ordem, quer a criação de um sindicato.

 

Quanto à primeira, recordo-me de estar no 5º ano de engenharia e de então, ainda estudantes, temermos pelo nosso futuro profissional.

 

E porquê?

 

Porque, com a proliferação que então se vivia de cursos de engenharia – ele era a engenharia do papel, a dos tecidos, a da cerâmica, etc., um rol de engenharias que como míscaros pululavam pelo país, muito por culpa das instituições de ensino superior de índole privada (que angariavam alunos, o seu pão para a boca, muitas vezes recorrendo ao expediente de apodar um qualquer curso de “lápis e papel” como sendo de engenharia, logo capaz de formar “engenheiros”) –  os licenciandos em cursos a sério (com todas as matemáticas, físicas, químicas e cadeiras hardcore a que tínhamos direito) iríamos “concorrer” com qualquer outro aluno medíocre, que saíra de  um curso igualmente medíocre, em que as notas eram “compradas” com propinas, com médias muito mais inflacionadas que as nossas.

 

(Seria injusta essa nossa apreciação? Certamente que sim, mas mesmo que não acreditemos em bruxas, que las hay, las hay – basta ler os anúncios de oferta de emprego que avisam logo que se o candidato não vier de uma faculdade pública, escusa de aparecer).

 

A Ordem dos Engenheiros de então sentiu-se obrigada a por ordem na balbúrdia que se experimentava e de separar as águas. E separou as águas, explicitando uma verdade muito óbvia – um licenciado em engenharia não é, por consequência automática, um engenheiro (tal como nem sempre um licenciado em arqueologia é um arqueólogo e vice-versa). Um engenheiro é um licenciado em engenharia, que é reconhecido pela Ordem enquanto tal, possuindo para tal a respectiva creditação.

 

E foi desse modo, analisando programas curriculares e docentes, que se separaram os cursos de engenharia entre os que eram reconhecidos pela Ordem e os que não eram. Quem vinha dos primeiros tinha acesso ao título de Engenheiro e podia praticar legalmente a arte. Quem não vinha, fazia exames de acesso.

 

Havia corporativismo aqui?

 

Sem dúvida. Afinal, a esmagadora maioria dos decisores da Ordem eram engenheiros formados nas “antigas” e clássicas engenharias: Agronomia, Civil, Mecânica, Minas e Naval. E todos, sem excepção, formados em faculdades públicas – o Técnico, o ISA, etc.– ou, quando muito, na Católica.

 

Era também óbvio que havia um parti pris contra as universidades privadas, mas esse preconceito era mais do que justificado (aliás, basta ver como correu e está a decorrer o processo do ensino superior privado e de todas manigâncias que surgem aqui e ali nos jornais, com faculdades encerradas, processos nos tribunais, professores doutorados “batman”, etc.).

 

Quanto ao Sindicato, devo dizer que fui associado de um Sindicato de Professores associado da FENPROF, descontando para o mesmo uma percentagem do meu ordenado, todos os meses, durante os 4 anos em que dei aulas. Ora, se por um lado fiz greve umas 3 ou 4 vezes durante esse período em defesa de uma qualquer regalia laboral ou de um qualquer privilégio associado à função pública, nunca, que me lembre, esse mesmo sindicato levantou pública voz para protestar contra a indisciplina que grassava nas aulas, contra a perda de autoridade dos professores, ou contra outra coisa qualquer que não girasse à volta da relação trabalhador-Estado.

 

E é exactamente por isto – por um Sindicato não estar vocacionado para mais nada além disto – que eu considero que aquilo que o Gonçalo Velho disse, em relação a mim, “ um arqueólogo que trabalha pro bono”, não se aplica. Posso perfeitamente pertencer a uma Ordem, mas não posso pertencer a um Sindicato (assim como não podem associar-se a ele os professores universitários, os técnicos do Estado ou quaisquer outros arqueólogos que sejam profissionais liberais, colectados nas Finanças com o código 701).

 

Tal não inviabiliza, como é óbvio, que se crie um Sindicato e que a ele se associem os arqueólogos que assim o entenderem, de modo a, em conjunto, poderem melhor negociar os seus contratos de trabalho com as respectivas entidades patronais (embora, para pessoas habituadas a lidar com a História, me pareça curioso constatar que os defensores do movimento sindical ainda não se tenham apercebido que o seu tempo passou já).

 

Quanto à Ordem, não me parece que ela surja única e exclusivamente para conceder, qual benesse real, o acesso à profissão. Até porque não me parece que no panorama da arqueologia portuguesa existam cursos que levantem suspeitas de formarem licenciados menos preparados. Aliás, a APA refere-os a quase todos: http://www.aparqueologos.org/licenciaturas.php

 

Serão estes cursos iguais? Não são.

 

São perfeitos? Também não são nem o podem ser.

 

O que eles poderiam ser era, calhando, um pouco melhores. Se calhar, deveriam estar todos alinhados pela mesma fasquia mínima de qualidade. Aqui, a Ordem poderia ter uma palavra a dizer, implementando, depois de reflexão e discussão, uma certa e determinada bitola. Essa bitola é necessária, não para excluir alguém - como me parece ser o medo, quase pânico, que perpassa por alguns dos comentários aqui anteriormente feitos –  mas sim para elevar os parâmetros de formação académica, teórica e prática, de quem pratica arqueologia (aponto, como um bom exemplo, o processo de “benchmarking” levado a cabo pela Nautical Archaeological Society, sob patrocínio da English Heritage: http://www.nauticalarchaeologysociety.org/research/benchmarking.php e o estudo, aqui: http://www.nauticalarchaeologysociety.org/research/images_PDFS/benchmarkingcompetency_final_report.pdf)

 

Outra utilidade da Ordem é de ser, por natureza, corporativa. Quem está dentro, está dentro. Quem está de fora, fica de fora. Havendo uma creditação da Ordem para acesso à profissão, é normal que ninguém queira ficar de fora. Ora, para se entrar é preciso aceitar uma série de condições: um código deontológico, por exemplo (haverá alguém que seja contra o código deontológico a que fica obrigado qualquer associado da APA?), a aceitação de direitos e deveres e por aí fora. Mais uma vez, há uma normalização e uma elevação da fasquia.

 

Eu percebo que haja quem se arrepie ao pensar que um qualquer mandarim – desses que supostamente há por aí, em fila pirilau, à espera de ser bastonário – possa usar de um qualquer poder discricionário para espetar facas, longas ou curtas, nas costas dos outros candidatos a bastonário e sus muchachos. No entanto, como o Manuel de Castro Nunes bem recordou, uma associação será aquilo que os seus sócios dela fizerem. Quem fica de fora, fica de fora, qual Velho do Restelo a ver passar navios. Quem ficar dentro, tem oportunidade de, em conjunto, ter uma palavra a dizer sobre, não só quem será o bastonário, mas sobre qual a estratégia e a política da Ordem. É para isso que servem, por exemplo, as listas eleitorais, as eleições e as assembleias gerais. Ou haverá quem tenha medo da democracia?

 

É democraticamente que funciona, por exemplo, a APA. E funciona muito bem, na minha opinião - na defesa da classe, na defesa do património, como interlocutor e interpeladora da tutela, na divulgação (veja-se a revista Praxis, por exemplo), etc. E falando em APA, relembro também que, pela primeira vez que me lembre, as duas associações estão unidas na persecução de um objectivo comum.

 

Em vez de divisão, união. Se uma Ordem significar união – união de objectivos, união de vozes, união de critérios – que venha ela. Não me venham é coarctar a liberdade de me associar a uma entidade que seja representativa da classe, só porque não sou um arqueólogo empregado de outrém, como me querem fazer com a criação exclusiva de um Sindicato. Eu quero ter voz e quero poder decidir, em conjunto com os demais interessado por onde vou ou por onde não quero ir. Não quero andar a discutir ordenados e recibos verdes como se esses fossem os problemas mais prementes da Arqueologia e do Património portugueses.

 

Até porque, irão desculpar-me, mas ando um pouco farto de ver discutir por aqui pratos de lentilhas – se são muitos, se são poucos, se estão cheios, se estão assim-assim, se há quem os coma, e a que preço.

 

Se querem trabalho e se querem trabalhar e ganhar de acordo com o que fazem, façam primeiro pelo património.

 

Esse, coitado, não fala. Vocês, sim. Aliás, vocês estudaram para isso. Mas, por vezes, nem parece, a julgar pelo que se lê por aqui.

 

Onde anda o Gonçalo Velho quando a reserva arqueológica da Baía de Angra está em perigo?

 

Onde está a esmagadora maioria dos precários do recibo verde quando o professor Sande Lemos pede mais protecção para o património bracarense?

 

É que, se não posso apelar à vossa consciência cívica, apelo ao vosso interesse material – cada obra que termina com uma “conservação pelo registo” é uma obra que emprega menos arqueólogos, menos restauradores, menos museólogos, menos técnicos do património.

 

Cada jazida arqueológica que é arrasada pela máquinas em dois dias, por falta de voz dos arqueólogos ou pela sua conivência, é menos uma a ser estudada no futuro, perdendo-se centenas ou mesmo milhares de horas de trabalho que vos poderiam ser pagas e que não são, porque alguns foram coniventes com a sua destruição.

 

E cada digo “menos uma” é mesmo “uma a menos”. As jazidas não se repoduzem, são todas únicas mas, principalmente, finitas, caso se tenham esquecido.

 

Eu acho que está na altura de dizer “basta”.

 

Patrões de empresas, recém-licenciados, recibos verdes, desempregados, técnicos “pro bono”, seja lá aquilo que cada for, está na altura de dar um passo importante e de pensar que futuro queremos nós para a arqueologia.

 

União ou desunião? Apatia ou interesse? Força ou fraqueza? Concentração ou pulverização?

 

Pelo sim ou pelo não, pelo sindicato e/ou pela Ordem, apareçam amanhã. Afinal, é da discussão que nasce a luz.

 

 

 

 

Declaração de (des)interesse: não conheço alguém que seja na APA. Também declaro que conheço um ou dois mandarins, mas nenhum que seja candidato a bastonário.

 

 

PAULO ALEXANDRE MONTEIRO


From: archport-bounces@ci.uc.pt [mailto:archport-bounces@ci.uc.pt] On Behalf Of Gonçalo Leite Velho
Sent: sexta-feira, 12 de Março de 2010 22:00
To: Alexandre Monteiro
Cc: archport@ci.uc.pt
Subject: Re: [Archport]ORDEM DOS ARQUEÓLOGOS:SIM OU NÃO?

 

Caro Alexandre

Agradeço a forma como endereçou estas questões, por forma a clarificar. Vou então tentar responder, sendo que a determinada altura terei de me alongar um pouco, de modo a poder informar sobretudo os colegas que nos lêem e que se encontram no regime de prestação de serviços (recibos verdes), o que poderá não ser naturalmente o seu caso (não percebi bem qual era o seu caso, sendo que segundo entendi trabalha pro bono, correcto?):

1) Somos já vários a demonstrar a vontade de criação de um Sindicato e a alertar para os perigos da criação de uma Ordem. Na sociedade portuguesa existem muitas outras pessoas a alertar para os mesmo perigos (tanto que se alterou a legislação).
Não se trata de uma questão de co-existência. Trata-se de não abrir caminho a um erro, que não só não resolve os problemas da Arqueologia, como poderá mesmo agravá-los.
A luta contra a proposta da criação de uma Ordem não implica a exclusão de ninguém, antes pelo contrário. Não creio que no caso possamos comparar, combater uma ideia de excluir pessoas e excluir pessoas com base numa ideia.

2) Não creio que a discussão não esteja a ser realizada perante uma escolha democrática. A democracia é feita do movimento associativo, da sua pluralidade e da sua abertura. A Arqueologia é tão mais vibrante quanto mais forem as suas associações. Eu sou sócio de muitas delas (já ajudei a fundar algumas) e acredito no associativismo como base fundamental da democracia. É essa crença na democracia e na inclusão que me fazem rejeitar o corporativismo. Uma Ordem não é uma associação qualquer, é uma organização corporativa, com tudo o que isso acarreta.

3) Não percebi, porque se diz que não aufere remuneração isso significa que trabalha pro bono. Se é o caso passe directamente para o fim deste ponto, onde abordo a questão.
Vejamos no entanto os trabalhadores independentes, que auferem de remuneração por via de regime de prestação de serviços. Esta é uma forma legal de trabalho que até há poucos anos atrás era característica das chamadas profissões liberais. Este era também o modo legal de auferir de remunerações por trabalhos pontuais. Contudo nos últimos anos, temos vindo a assistir a uma deturpação deste princípio, por via da tão proclamada flexibilização do mercado de trabalho. Esta tem vindo a prejudicar não só os trabalhadores, como o país em geral.
Muitas empresas contratam hoje trabalhadores, em regime de prestação de serviços, para suprir as suas necessidades temporárias. Ora para essas situações, a lei 7/2009 (Revisão do Código do Trabalho) no artigo 140º, aponta como solução o contrato a tempo certo. Tal é o caso por exemplo de situações de:

"e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;

f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;

g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;

h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento."

Portanto, temos aqui muitas casos, que se aplicam em Arqueologia, nos quais se deviam celebrar contratos de trabalho a termo  certo. Há uma diferença fundamental entre um contrato de trabalho a termo certo e uma prestação de serviços que assenta na subordinação, ou seja, existe contrato de trabalho quando estivermos perante uma relação subordinada, uma prestação de serviços é efectuada em autonomia. Se for comprovada uma relação de subordinação e não de autonomia (a subordinação pode tomar a forma de obrigação de cumprir horário, receber instruções de serviço, ocupar um posto de trabalho na estrutura produtiva da empresa) então temos uma falsa prestação de serviços, que pode dar azo a um acção legal.
Para além da ilegalidade, esta situação é má para ambos, quer seja para o empregador, quer para o trabalhador. Para o empregador porque passa a não poder contar com um corpo de trabalhadores estável, qualificado, que lhe permite desenvolver um trabalho de qualidade. A precariedade faz também com que os laços de responsabilidade se diluam: quantos não são os casos de trabalhadores que abandonam os trabalhos a meio, que não cumprem com o solicitado, que apresentam pouco brio profissional. É o que acontece quando deixa de haver um pacto de confiança, sob a forma de um contrato de trabalho. As empresas que trabalham deste modo estão projectadas para o curto prazo (logo curta viabilidade), porque a sua capacidade de projectar o futuro é também limitada (vão sobrevivendo).
Para o trabalhador a precariedade significa a incapacidade de poder planear o seu futuro, de poder auferir de direitos fundamentais e a degradação geral das condições de trabalho. Num quadro geral de depressão económica a situação torna-se extremamente grave, pois o fantasma do desemprego é ainda agravado pela falta de protecção social, abrindo assim portas a abusos vários. O Sindicato, dado que tem como seu objectivo defender o direito dos trabalhadores e lutar pela dignificação das condições de trabalho, pode vir a ter aqui um papel fundamental. Um papel que exige uma articulação com a Inspecção Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, de modo a poder detectar situações ilegais.
Convém aqui perceber que a origem dos sindicatos se encontra em situações de precariedade e de falta de direitos, existentes no passado (sem contratos, vencimentos pagos ao dia, quando não à hora), e que desde aí se demonstraram como a melhor garantia de defesa dos trabalhadores. Para isso é fundamental a capacidade de luta e mobilização que pode ser conseguida nas acções promovidas pelos sindicatos.
Há na Arqueologia muitas empresas tão precárias como os seus empregados. Tal deriva do imperativo da concorrência. A viabilidade da maior parte destas empresas está ameaçada. Nem um Sindicato, nem uma Ordem, podem combater este quadro por si. A tutela tem aqui responsabilidades directas. O Sindicato pode ajudar a combater as situações ilegais que mencionei acima.
Se é verdade que o número de prestadores de serviços tem vindo a aumentar, tal tem acontecido sobretudo pela precariedade de muitas empresas. Muitas destas situações são falsos recibos verdes. Quem se sujeita a tais práticas... está a sujeitar-se ao atropelo dos seus direitos. Por isso, perante tais propostas, a primeira acção de luta é sem dúvida renunciar e denunciar (e um Sindicato permite que se dê um enquadramento colectivo a tal acção). Perante a questão da sobrevivência, voltamos ao quadro das velhas lutas do sindicato, dos fundos de solidariedade, etc.
A Arqueologia é um trabalho de equipa, que exige conjugação de esforços e um enquadramento laboral colectivo. É importante perceber que modelo de Arqueologia queremos: se um constituído por equipas de trabalho que trabalham em condições dignas, ou se preferimos a precariedade e flexibilidade do vale tudo.
Por fim, existem naturalmente situações legais, nas quais o trabalho em Arqueologia pode dar lugar a uma contratação de prestação de serviços (um trabalho determinado a ser exercido em autonomia, um parecer, direitos de autor de um livro, etc). O Sindicato não pode ajudar estes prestadores de serviços a estabelecer preços mínimos, nem a resolver possíveis soluções de conflito com os clientes, nem a determinar junto dos seus clientes as suas condições de trabalho. Mas atenção, estas são também áreas, que como aqui já foi referido uma Ordem não pode também ajudar. A esse propósito chamo particular atenção para o Artigo 4º da lei 6/2008, pontos 2, 3 e 4.
Caso seja um arqueólogo que trabalha pro bono, ou voluntário amador, deve ter atenção ao modo como uma Ordem pode tentar limitar a sua actividade. Mas quer no caso do Sindicato, como da Ordem pode sempre beneficiar das acções socio-culturais e de formação que sejam promovidas por estas associações.

Espero ter podido ajudar.

Saudações arqueológicas e sindicais,
Gonçalo Leite Velho

No dia 12 de Março de 2010 08:58, Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com> escreveu:

Gonçalo, continuo sem perceber a sua insistência nesta questão, portanto gostava que nos respondesse, claramente, a estas três perguntas:

 

1) porque é que acha que não podem co-existir uma Ordem e um Sindicato? É que quando afirma que "uma estratégia de exclusão é, no mínimo, perigosa", se reparar bem no que diz, só você é que exclui a Ordem em detrimento de um Sindicato;

 

2) quando diz que é preciso construir "uma casa aberta, plural, onde a discordância tem lugar, num quadro de democracia, mas onde encontramos o espaço de mobilização, que permita defender os nossos direitos" e depois nos nega qualquer hipótese de escolha democrática, dizendo-nos que "essa casa é o Sindicato dos Arqueólogos", que quer dizer realmente?;

 

3) eu desenvolvo a minha actividade arqueológica de forma não remunerada há muitos anos, ou seja, não tenho patrão, não tenho qualquer vínculo laboral de espécie alguma (aliás, pago para a desenvolver - pago propinas de mestrado, pago o material de mergulho e de registo, pago as minhas formações específicas, pago as deslocações a congressos, ninguém me remunera o tempo que perco em investigação e publicação, etc.). Se fosse criado um Sindicato, como é que contemplaria o meu caso?

 

 

 

Em 11 de março de 2010 23:49, Gonçalo Leite Velho <gonvelho@ipt.pt> escreveu:

 

Caros colegas

É importante atentar no que tem vindo a ser dito em relação à lei 6/2008. A Sara Cura mencionou uma questão muito importante, em relação ao modo como a lei fala de associações públicas profissionais e não de Ordens. Ela também apontou a pista para esta mudança, nomeadamente a acção do constitucionalista Vital Moreira.
De um modo honesto, a Maria José de Almeida também referiu alguns dos constrangimentos desta lei, nomeadamente como:


«As associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou
de participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver
com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus
membros»

Muito mudou em relação à acção possível por parte das associações públicas profissionais. Muitas delas têm vindo a público nos últimos emails. São questões que não se podem ignorar.

Como por certo se lembram, a minha intervenção inicial, a propósito da questão do sindicato, alertava, justamente, para o modo como a questão estava a ser apresentada. Como na altura disse, muitas das vantagens apontadas à Ordem, seriam por certo asseguradas pelo sindicato, contudo a vantagem apontada ao sindicato, nunca seria possível de ser assegurada por uma Ordem.
 
Um leitor atento de Orwell percebe bem o perigo de posturas do género "quatro patas bom, duas patas mau". Uma estratégia de exclusão é, no mínimo, perigosa. Seria mortífera para a Arqueologia. O Sindicato é a casa dos que têm na Arqueologia a sua causa. Uma casa que não se restringe aos licenciados, mestres e doutorados. Os técnicos são também profissionais de Arqueologia. E não é só no campo e na escavação que a Arqueologia se faz. Existem os Museus, os Parques, enfim, um mundo que ultrapassa em muito os limites e barreiras que artificialmente alguns querem erguer.

Construamos por isso esta casa aberta, plural, onde a discordância tem lugar, num quadro de democracia, mas onde encontramos o espaço de mobilização, que permita defender os nossos direitos. Essa casa é o Sindicato dos Arqueólogos.

Saudações arqueológicas e sindicais,
Gonçalo Leite Velho

No dia 10 de Março de 2010 17:59, <presidente@aparqueologos.org> escreveu:

 

Caros colegas,

Arriscando-me mais uma vez à acusação que me estou a afastar dos
princípios para me fixar na forma, aqui vão mais duas citações da lei
6/2008 a propósito de algumas mensagens recentes:

«As associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou
de participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver
com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus
membros»

«Em caso algum haverá numerus clausus no acesso à profissão, nem
acreditação, pelas associações públicas profissionais, de cursos
oficialmente reconhecidos»

E, porque parece que não me estou a fazer entender muito bem nas
mensagens que tenho escrito, traduzo:

- uma associação pública profissional NÃO SERVE para regular salários
ou outras questões que se prendam com a relação laboral entre
empregados e empregadores;

- uma associação pública profissional NÃO SERVE para acreditar cursos
superiores.

Repito: mais do que adjectivar ou extremar posições de princípio,
importante é termos consciência do que significa iniciarmos o caminho
de criação de uma «Ordem de Arqueólogos», ou o que lhe quisermos
chamar. De uma forma muito básica, temos que saber responder às
perguntas:

- o que é?
- o que pode fazer?
- o que não pode fazer?
- o que implica o processo de criação?
- o que implica o funcionamento e afirmação?

Só podemos decidir se queremos, ou não, iniciar este caminho em função
das respostas. É isto que estou a tentar dizer há algumas mensagens?
mas se calhar explico-me melhor a falar do que a escrever, pelo que
espero poder continuar esta troca de opiniões no dia 20 no MNA.

Até lá,

Maria José de Almeida
Presidente da Direcção da APA


Quoting sara cura <saracura@portugalmail.pt>:

> Caros colegas,
>
> A propósito do já aqui antecipado debate sobre a viabilidade de criação de
> uma Ordem de Arqueólogos e com manifestações várias de apoio a esta ideia,
> eu estou em sintonia com o Gonçalo Velho e não creio que seja a Ordem a
> estrutura determinante para a «acreditação e afirmação da profissão».
>
> Embora reconheça que é necessária a existência de uma regulamentação de
> determinadas actividades profissionais que não estejam na total dependência
> do estado e que possam ter uma auto-regulação, isso não tem de ser feito só
> por meio da criação de uma Ordem.
>
>  E mesmo depois da Lei 6/2008 que supostamente «visa estabelecer mais
> democraticidade interna, mais transparência na gestão, menos corporativismo
> e menos restrição à liberdade de profissão e à concorrência» (cito Vital
> Moreira), continuo a não ver na criação de uma ordem o caminho mais eficaz
> para a resolução dos nossos problemas.
>
> Não é porque não existe uma Ordem que existe um vazio legal, ou um vazio de
> fiscalização e regulação. O Estado  assume essas competências, e se isso não
> acontece com a eficácia desejada pela classe profissional, temos vários
> mecanismos legais à nossa disposição para o exigir, nomeadamente através de
> um sindicato. De resto, intriga-me que uma Ordem ou qualquer associação
> desvalorize e não reconheça profissionais formados em cursos de ensino
> superior homologados pelo Estado. Uma verificação feita a posteriori é
> questionável, até porque existem sistemas de avaliação do ensino superior. É
> o tal «controlo e limitação da concorrência» que temo.
>
> Certo é que, como referiu a Maria José Almeida, não é «incompatível a
> existência de sindicatos com a regulação da respectiva profissão através de
> associações públicas de profissionais», mas concordo com o Gonçalo Velho
> quando diz que as vantagens (da ordem) apontadas no documento que nos foi
> facultado, são válidas em estruturas sindicais. Assim sendo podemos ter um
> instrumento que contribua efectivamente para a defesa dos interesses dos
> profissionais, da auto-regulação, mas num quadro pluralista de liberdade de
> constituição e inscrição.
>
> Olhando para o panorama actual do exercício da nossa profissão, vejo como
> urgente a criação de uma plataforma que defenda e assegure a dignidade das
> condições de trabalho dos arqueólogos, sobretudo dos mais jovens. Dignas
> condições de trabalho, são imprescindíveis para um digno trabalho (não é só
> a formação que garante a qualidade do exercício da profissão). Isso não tem
> de passar por uma Ordem, cuja criação, na minha opinião, pode correr o risco
> de, neste contexto  de crise global, estreitar as oportunidades
> profissionais futuras dos arqueólogos.
>
> E já agora em jeito de provocação: nãos nos serve de muito a definição das
> fronteiras de uma profissão, se ela não é socialmente reconhecida. Importa,
> portanto, também reflectir sobre o nosso papel na sociedade, porque a meu
> ver a arqueologia não é só dos arqueólogos.
>
> Espero que as minhas  ideias e provocações possam contribuir para um debate
> que é da maior importância. Na verdade, só discutindo amplamente os
> problemas é que se encontram soluções, mesmo  com divergências entre nós o
> diálogo plural é o mais profícuo. Espero ver muitos colegas na discussão
> promovida pela AAP e APA.
>
> Abraços a todos,
>
>
> --
> Sara Cura
> Museu de Arte Pré-Histórica de Mação
> Grupo ?Quaternário e Pré-Histórica? do Centro de Geociências, uID73 ? FCT
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