Em primeiro lugar, não poderia deixar de saudar a
troca de opiniões que tem vindo a acontecer neste espaço – da discussão
nasce a luz, como sói dizer-se.
Em segundo lugar, não posso deixar de dizer que
preferia que se discutissem – aqui e no debate “ao vivo”
– ideias e não pessoas, projectos e não entidades. Nunca a fulanização
produziu bons resultados nem o apontar acusatório de dedos alguma vez resolveu
o que quer que fosse.
Passemos então à minha opinião. Vindo da área de
estudo da engenharia e tendo tido actividade docente durante alguns anos, estou
à vontade para comentar, quer a criação de uma Ordem, quer a criação de um
sindicato.
Quanto à primeira, recordo-me de estar no 5º ano
de engenharia e de então, ainda estudantes, temermos pelo nosso futuro
profissional.
E porquê?
Porque, com a proliferação que então se vivia de
cursos de engenharia – ele era a engenharia do papel, a dos tecidos, a da
cerâmica, etc., um rol de engenharias que como míscaros pululavam pelo país,
muito por culpa das instituições de ensino superior de índole privada (que
angariavam alunos, o seu pão para a boca, muitas vezes recorrendo ao expediente
de apodar um qualquer curso de “lápis e papel” como sendo de
engenharia, logo capaz de formar “engenheiros”) – os
licenciandos em cursos a sério (com todas as matemáticas, físicas, químicas e
cadeiras hardcore a que tínhamos
direito) iríamos “concorrer” com qualquer outro aluno medíocre, que
saíra de um curso igualmente medíocre, em que as notas eram “compradas”
com propinas, com médias muito mais inflacionadas que as nossas.
(Seria injusta essa nossa apreciação? Certamente
que sim, mas mesmo que não acreditemos em bruxas, que las hay, las hay – basta ler os anúncios de oferta
de emprego que avisam logo que se o candidato não vier de uma faculdade pública,
escusa de aparecer).
A Ordem dos Engenheiros de então sentiu-se
obrigada a por ordem na balbúrdia que se experimentava e de separar as águas. E
separou as águas, explicitando uma verdade muito óbvia – um licenciado em
engenharia não é, por consequência automática, um engenheiro (tal como nem
sempre um licenciado em arqueologia é um arqueólogo e vice-versa). Um
engenheiro é um licenciado em engenharia, que é reconhecido pela Ordem enquanto
tal, possuindo para tal a respectiva creditação.
E foi desse modo, analisando programas
curriculares e docentes, que se separaram os cursos de engenharia entre os que
eram reconhecidos pela Ordem e os que não eram. Quem vinha dos primeiros tinha
acesso ao título de Engenheiro e podia praticar legalmente a arte. Quem não vinha, fazia exames de
acesso.
Havia corporativismo aqui?
Sem dúvida. Afinal, a esmagadora maioria dos
decisores da Ordem eram engenheiros formados nas “antigas” e
clássicas engenharias: Agronomia, Civil, Mecânica, Minas e Naval. E todos, sem
excepção, formados em faculdades públicas – o Técnico, o ISA, etc.–
ou, quando muito, na Católica.
Era também óbvio que havia um parti pris contra as universidades
privadas, mas esse preconceito era mais do que justificado (aliás, basta ver
como correu e está a decorrer o processo do ensino superior privado e de todas
manigâncias que surgem aqui e ali nos jornais, com faculdades encerradas, processos
nos tribunais, professores doutorados “batman”, etc.).
Quanto ao Sindicato, devo dizer que fui associado
de um Sindicato de Professores associado da FENPROF, descontando para o mesmo uma
percentagem do meu ordenado, todos os meses, durante os 4 anos em que dei
aulas. Ora, se por um lado fiz greve umas 3 ou 4 vezes durante esse período em
defesa de uma qualquer regalia laboral ou de um qualquer privilégio associado à
função pública, nunca, que me lembre, esse mesmo sindicato levantou pública voz
para protestar contra a indisciplina que grassava nas aulas, contra a perda de
autoridade dos professores, ou contra outra coisa qualquer que não girasse à
volta da relação trabalhador-Estado.
E é exactamente por isto – por um Sindicato
não estar vocacionado para mais nada além disto – que eu considero que
aquilo que o Gonçalo Velho disse, em relação a mim, “ um arqueólogo que
trabalha pro bono”, não se
aplica. Posso perfeitamente pertencer a uma Ordem, mas não posso pertencer a um
Sindicato (assim como não podem associar-se a ele os professores universitários,
os técnicos do Estado ou quaisquer outros arqueólogos que sejam profissionais
liberais, colectados nas Finanças com o código 701).
Tal não inviabiliza, como é óbvio, que se crie um
Sindicato e que a ele se associem os arqueólogos que assim o entenderem, de
modo a, em conjunto, poderem melhor negociar os seus contratos de trabalho com
as respectivas entidades patronais (embora, para pessoas habituadas a lidar com
a História, me pareça curioso constatar que os defensores do movimento sindical
ainda não se tenham apercebido que o seu tempo passou já).
Quanto à Ordem, não me parece que ela surja única
e exclusivamente para conceder, qual benesse real, o acesso à profissão. Até
porque não me parece que no panorama da arqueologia portuguesa existam cursos
que levantem suspeitas de formarem licenciados menos preparados. Aliás, a APA
refere-os a quase todos: http://www.aparqueologos.org/licenciaturas.php
Serão estes cursos iguais? Não são.
São perfeitos? Também não são nem o podem ser.
O que eles poderiam ser era, calhando, um pouco
melhores. Se calhar, deveriam estar todos alinhados pela mesma fasquia mínima
de qualidade. Aqui, a Ordem poderia ter uma palavra a dizer, implementando,
depois de reflexão e discussão, uma certa e determinada bitola. Essa bitola é
necessária, não para excluir alguém - como me parece ser o medo, quase pânico,
que perpassa por alguns dos comentários aqui anteriormente feitos – mas
sim para elevar os parâmetros de formação académica, teórica e prática, de quem
pratica arqueologia (aponto, como um bom exemplo, o processo de “benchmarking”
levado a cabo pela Nautical Archaeological Society, sob patrocínio da English
Heritage: http://www.nauticalarchaeologysociety.org/research/benchmarking.php e o estudo,
aqui: http://www.nauticalarchaeologysociety.org/research/images_PDFS/benchmarkingcompetency_final_report.pdf)
Outra utilidade da Ordem é de ser, por natureza,
corporativa. Quem está dentro, está dentro. Quem está de fora, fica de fora. Havendo
uma creditação da Ordem para acesso à profissão, é normal que ninguém queira
ficar de fora. Ora, para se entrar é preciso aceitar uma série de condições: um
código deontológico, por exemplo (haverá alguém que seja contra o código
deontológico a que fica obrigado qualquer associado da APA?), a aceitação de
direitos e deveres e por aí fora. Mais uma vez, há uma normalização e uma
elevação da fasquia.
Eu percebo que haja quem se arrepie ao pensar que
um qualquer mandarim – desses que supostamente há por aí, em fila
pirilau, à espera de ser bastonário – possa usar de um qualquer poder
discricionário para espetar facas, longas ou curtas, nas costas dos outros
candidatos a bastonário e sus muchachos.
No entanto, como o Manuel de Castro Nunes bem recordou, uma associação será
aquilo que os seus sócios dela fizerem. Quem fica de fora, fica de fora, qual
Velho do Restelo a ver passar navios. Quem ficar dentro, tem oportunidade de,
em conjunto, ter uma palavra a dizer sobre, não só quem será o bastonário, mas
sobre qual a estratégia e a política da Ordem. É para isso que servem, por
exemplo, as listas eleitorais, as eleições e as assembleias gerais. Ou haverá
quem tenha medo da democracia?
É democraticamente que funciona, por exemplo, a
APA. E funciona muito bem, na minha opinião - na defesa da classe, na defesa do
património, como interlocutor e interpeladora da tutela, na divulgação (veja-se
a revista Praxis, por exemplo),
etc. E falando em APA, relembro também que, pela primeira vez que me lembre, as
duas associações estão unidas na persecução de um objectivo comum.
Em vez de divisão, união. Se uma Ordem significar
união – união de objectivos, união de vozes, união de critérios –
que venha ela. Não me venham é coarctar a liberdade de me associar a uma
entidade que seja representativa da classe, só porque não sou um arqueólogo
empregado de outrém, como me querem fazer com a criação exclusiva de um
Sindicato. Eu quero ter voz e quero poder decidir, em conjunto com os demais
interessado por onde vou ou por onde não quero ir. Não quero andar a discutir
ordenados e recibos verdes como se esses fossem os problemas mais prementes da
Arqueologia e do Património portugueses.
Até porque, irão desculpar-me, mas ando um pouco
farto de ver discutir por aqui pratos de lentilhas – se são muitos, se são
poucos, se estão cheios, se estão assim-assim, se há quem os coma, e a que
preço.
Se querem trabalho e se querem trabalhar e ganhar
de acordo com o que fazem, façam primeiro pelo património.
Esse, coitado, não fala. Vocês, sim. Aliás, vocês
estudaram para isso. Mas, por vezes, nem parece, a julgar pelo que se lê por
aqui.
Onde anda o Gonçalo Velho quando a reserva arqueológica
da Baía de Angra está em perigo?
Onde está a esmagadora maioria dos precários do
recibo verde quando o professor Sande Lemos pede mais protecção para o património
bracarense?
É que, se não posso apelar à vossa consciência cívica,
apelo ao vosso interesse material – cada obra que termina com uma “conservação
pelo registo” é uma obra que emprega menos arqueólogos, menos
restauradores, menos museólogos, menos técnicos do património.
Cada jazida arqueológica que é arrasada pela máquinas
em dois dias, por falta de voz dos arqueólogos ou pela sua conivência, é menos
uma a ser estudada no futuro, perdendo-se centenas ou mesmo milhares de horas
de trabalho que vos poderiam ser pagas e que não são, porque alguns foram
coniventes com a sua destruição.
E cada digo “menos uma” é mesmo “uma
a menos”. As jazidas não se repoduzem, são todas únicas mas, principalmente,
finitas, caso se tenham esquecido.
Eu acho que está na altura de dizer “basta”.
Patrões de empresas, recém-licenciados, recibos
verdes, desempregados, técnicos “pro bono”, seja lá aquilo que cada
for, está na altura de dar um passo importante e de pensar que futuro queremos
nós para a arqueologia.
União ou desunião? Apatia ou interesse? Força ou
fraqueza? Concentração ou pulverização?
Pelo sim ou pelo não, pelo sindicato e/ou pela
Ordem, apareçam amanhã. Afinal, é da discussão que nasce a luz.
Declaração de (des)interesse: não conheço alguém
que seja na APA. Também declaro que conheço um ou dois mandarins, mas nenhum
que seja candidato a bastonário.
From: archport-bounces@ci.uc.pt
[mailto:archport-bounces@ci.uc.pt] On Behalf
Of Gonçalo Leite Velho
Sent: sexta-feira, 12 de Março de
2010 22:00
To: Alexandre Monteiro
Cc: archport@ci.uc.pt
Subject: Re: [Archport]ORDEM DOS
ARQUEÓLOGOS:SIM OU NÃO?
Caro Alexandre
Agradeço a forma como endereçou estas questões, por forma a clarificar. Vou
então tentar responder, sendo que a determinada altura terei de me alongar um
pouco, de modo a poder informar sobretudo os colegas que nos lêem e que se
encontram no regime de prestação de serviços (recibos verdes), o que poderá não
ser naturalmente o seu caso (não percebi bem qual era o seu caso, sendo que
segundo entendi trabalha pro bono, correcto?):
1) Somos já vários a demonstrar a vontade de criação de um Sindicato e a
alertar para os perigos da criação de uma Ordem. Na sociedade portuguesa
existem muitas outras pessoas a alertar para os mesmo perigos (tanto que se
alterou a legislação).
Não se trata de uma questão de co-existência. Trata-se de não abrir caminho a
um erro, que não só não resolve os problemas da Arqueologia, como poderá mesmo
agravá-los.
A luta contra a proposta da criação de uma Ordem não implica a exclusão de
ninguém, antes pelo contrário. Não creio que no caso possamos comparar,
combater uma ideia de excluir pessoas e excluir pessoas com base numa ideia.
2) Não creio que a discussão não esteja a ser realizada perante uma escolha
democrática. A democracia é feita do movimento associativo, da sua pluralidade
e da sua abertura. A Arqueologia é tão mais vibrante quanto mais forem as suas
associações. Eu sou sócio de muitas delas (já ajudei a fundar algumas) e
acredito no associativismo como base fundamental da democracia. É essa crença
na democracia e na inclusão que me fazem rejeitar o corporativismo. Uma Ordem
não é uma associação qualquer, é uma organização corporativa, com tudo o que
isso acarreta.
3) Não percebi, porque se diz que não aufere remuneração isso significa que
trabalha pro bono. Se é o caso
passe directamente para o fim deste ponto, onde abordo a questão.
Vejamos no entanto os trabalhadores independentes, que auferem de remuneração
por via de regime de prestação de serviços. Esta é uma forma legal de trabalho
que até há poucos anos atrás era característica das chamadas profissões
liberais. Este era também o modo legal de auferir de remunerações por trabalhos
pontuais. Contudo nos últimos anos, temos vindo a assistir a uma deturpação
deste princípio, por via da tão proclamada flexibilização do mercado de
trabalho. Esta tem vindo a prejudicar não só os trabalhadores, como o país em
geral.
Muitas empresas contratam hoje trabalhadores, em regime de prestação de
serviços, para suprir as suas necessidades temporárias. Ora para essas
situações, a lei 7/2009 (Revisão do Código do Trabalho) no artigo 140º, aponta
como solução o contrato a tempo certo. Tal é o caso por exemplo de situações
de:
"e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente
irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado,
incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e
não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária,
incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção
civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de
empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou
outra actividade complementar de controlo e acompanhamento."
Portanto, temos aqui muitas casos, que se aplicam em Arqueologia, nos quais se
deviam celebrar contratos de trabalho a termo certo. Há uma diferença
fundamental entre um contrato de trabalho a termo certo e uma prestação de
serviços que assenta na subordinação, ou seja, existe contrato de trabalho
quando estivermos perante uma relação subordinada, uma prestação de serviços é
efectuada em autonomia. Se for comprovada uma relação de subordinação e não de
autonomia (a subordinação pode tomar a forma de obrigação de cumprir horário,
receber instruções de serviço, ocupar um posto de trabalho na estrutura
produtiva da empresa) então temos uma falsa prestação de serviços, que pode dar
azo a um acção legal.
Para além da ilegalidade, esta situação é má para ambos, quer seja para o
empregador, quer para o trabalhador. Para o empregador porque passa a não poder
contar com um corpo de trabalhadores estável, qualificado, que lhe permite
desenvolver um trabalho de qualidade. A precariedade faz também com que os
laços de responsabilidade se diluam: quantos não são os casos de trabalhadores
que abandonam os trabalhos a meio, que não cumprem com o solicitado, que
apresentam pouco brio profissional. É o que acontece quando deixa de haver um
pacto de confiança, sob a forma de um contrato de trabalho. As empresas que
trabalham deste modo estão projectadas para o curto prazo (logo curta
viabilidade), porque a sua capacidade de projectar o futuro é também limitada
(vão sobrevivendo).
Para o trabalhador a precariedade significa a incapacidade de poder planear o
seu futuro, de poder auferir de direitos fundamentais e a degradação geral das
condições de trabalho. Num quadro geral de depressão económica a situação
torna-se extremamente grave, pois o fantasma do desemprego é ainda agravado
pela falta de protecção social, abrindo assim portas a abusos vários. O
Sindicato, dado que tem como seu objectivo defender o direito dos trabalhadores
e lutar pela dignificação das condições de trabalho, pode vir a ter aqui um
papel fundamental. Um papel que exige uma articulação com a Inspecção Geral do
Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, de modo a poder detectar
situações ilegais.
Convém aqui perceber que a origem dos sindicatos se encontra em situações de
precariedade e de falta de direitos, existentes no passado (sem contratos,
vencimentos pagos ao dia, quando não à hora), e que desde aí se demonstraram
como a melhor garantia de defesa dos trabalhadores. Para isso é fundamental a
capacidade de luta e mobilização que pode ser conseguida nas acções promovidas
pelos sindicatos.
Há na Arqueologia muitas empresas tão precárias como os seus empregados. Tal
deriva do imperativo da concorrência. A viabilidade da maior parte destas
empresas está ameaçada. Nem um Sindicato, nem uma Ordem, podem combater este
quadro por si. A tutela tem aqui responsabilidades directas. O Sindicato pode
ajudar a combater as situações ilegais que mencionei acima.
Se é verdade que o número de prestadores de serviços tem vindo a aumentar, tal
tem acontecido sobretudo pela precariedade de muitas empresas. Muitas destas
situações são falsos recibos verdes. Quem se sujeita a tais práticas... está a
sujeitar-se ao atropelo dos seus direitos. Por isso, perante tais propostas, a
primeira acção de luta é sem dúvida renunciar e denunciar (e um Sindicato
permite que se dê um enquadramento colectivo a tal acção). Perante a questão da
sobrevivência, voltamos ao quadro das velhas lutas do sindicato, dos fundos de
solidariedade, etc.
A Arqueologia é um trabalho de equipa, que exige conjugação de esforços e um
enquadramento laboral colectivo. É importante perceber que modelo de
Arqueologia queremos: se um constituído por equipas de trabalho que trabalham
em condições dignas, ou se preferimos a precariedade e flexibilidade do vale
tudo.
Por fim, existem naturalmente situações legais, nas quais o trabalho em
Arqueologia pode dar lugar a uma contratação de prestação de serviços (um
trabalho determinado a ser exercido em autonomia, um parecer, direitos de autor
de um livro, etc). O Sindicato não pode ajudar estes prestadores de serviços a
estabelecer preços mínimos, nem a resolver possíveis soluções de conflito com
os clientes, nem a determinar junto dos seus clientes as suas condições de
trabalho. Mas atenção, estas são também áreas, que como aqui já foi referido
uma Ordem não pode também ajudar. A esse propósito chamo particular atenção
para o Artigo 4º da lei 6/2008, pontos 2, 3 e 4.
Caso seja um arqueólogo que trabalha pro
bono, ou voluntário amador, deve ter atenção ao modo como uma Ordem
pode tentar limitar a sua actividade. Mas quer no caso do Sindicato, como da
Ordem pode sempre beneficiar das acções socio-culturais e de formação que sejam
promovidas por estas associações.
Espero ter podido ajudar.
Saudações arqueológicas e sindicais,
Gonçalo Leite Velho
No dia 12 de Março de 2010 08:58, Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com> escreveu:
Gonçalo, continuo sem perceber a sua insistência nesta questão,
portanto gostava que nos respondesse, claramente, a estas três perguntas:
1) porque é que acha que não podem co-existir uma Ordem e um Sindicato?
É que quando afirma que "uma estratégia de exclusão é, no mínimo,
perigosa", se reparar bem no que diz, só você é que exclui a Ordem em
detrimento de um Sindicato;
2) quando diz que é preciso construir "uma casa aberta,
plural, onde a discordância tem lugar, num quadro de democracia, mas onde encontramos
o espaço de mobilização, que permita defender os nossos direitos" e depois
nos nega qualquer hipótese de escolha democrática, dizendo-nos que "essa
casa é o Sindicato dos Arqueólogos", que quer dizer realmente?;
3) eu desenvolvo a minha actividade arqueológica de forma não
remunerada há muitos anos, ou seja, não tenho patrão, não tenho qualquer
vínculo laboral de espécie alguma (aliás, pago para a desenvolver - pago
propinas de mestrado, pago o material de mergulho e de registo, pago as minhas
formações específicas, pago as deslocações a congressos, ninguém me remunera o
tempo que perco em investigação e publicação, etc.). Se fosse criado um
Sindicato, como é que contemplaria o meu caso?
Em 11 de março de 2010 23:49, Gonçalo Leite Velho <gonvelho@ipt.pt> escreveu:
Caros colegas
É importante atentar no que tem vindo a ser dito em relação à lei 6/2008. A
Sara Cura mencionou uma questão muito importante, em relação ao modo como a lei
fala de associações públicas profissionais e não de Ordens. Ela também apontou
a pista para esta mudança, nomeadamente a acção do constitucionalista Vital
Moreira.
De um modo honesto, a Maria José de Almeida também referiu alguns dos
constrangimentos desta lei, nomeadamente como:
«As associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou
de participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver
com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus
membros»
Muito mudou em relação à
acção possível por parte das associações públicas profissionais. Muitas delas
têm vindo a público nos últimos emails. São questões que não se podem ignorar.
Como por certo se lembram, a minha intervenção inicial, a propósito da questão
do sindicato, alertava, justamente, para o modo como a questão estava a ser
apresentada. Como na altura disse, muitas das vantagens apontadas à Ordem,
seriam por certo asseguradas pelo sindicato, contudo a vantagem apontada ao
sindicato, nunca seria possível de ser assegurada por uma Ordem.
Um leitor atento de Orwell percebe bem o perigo de posturas do género
"quatro patas bom, duas patas mau". Uma estratégia de exclusão é, no
mínimo, perigosa. Seria mortífera para a Arqueologia. O Sindicato é a casa dos
que têm na Arqueologia a sua causa. Uma casa que não se restringe aos
licenciados, mestres e doutorados. Os técnicos são também profissionais de
Arqueologia. E não é só no campo e na escavação que a Arqueologia se faz.
Existem os Museus, os Parques, enfim, um mundo que ultrapassa em muito os
limites e barreiras que artificialmente alguns querem erguer.
Construamos por isso esta casa aberta, plural, onde a discordância tem lugar,
num quadro de democracia, mas onde encontramos o espaço de mobilização, que
permita defender os nossos direitos. Essa casa é o Sindicato dos Arqueólogos.
Saudações arqueológicas e sindicais,
Gonçalo Leite Velho
No dia 10 de Março de 2010 17:59, <presidente@aparqueologos.org>
escreveu:
Caros colegas,
Arriscando-me mais uma vez à acusação que me estou a afastar dos
princípios para me fixar na forma, aqui vão mais duas citações da lei
6/2008 a propósito de algumas mensagens recentes:
«As associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou
de participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver
com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus
membros»
«Em caso algum haverá numerus clausus no acesso à profissão, nem
acreditação, pelas associações públicas profissionais, de cursos
oficialmente reconhecidos»
E, porque parece que não me estou a fazer entender muito bem nas
mensagens que tenho escrito, traduzo:
- uma associação pública profissional NÃO SERVE para regular salários
ou outras questões que se prendam com a relação laboral entre
empregados e empregadores;
- uma associação pública profissional NÃO SERVE para acreditar cursos
superiores.
Repito: mais do que adjectivar ou extremar posições de princípio,
importante é termos consciência do que significa iniciarmos o caminho
de criação de uma «Ordem de Arqueólogos», ou o que lhe quisermos
chamar. De uma forma muito básica, temos que saber responder às
perguntas:
- o que é?
- o que pode fazer?
- o que não pode fazer?
- o que implica o processo de criação?
- o que implica o funcionamento e afirmação?
Só podemos decidir se queremos, ou não, iniciar este caminho em função
das respostas. É isto que estou a tentar dizer há algumas mensagens?
mas se calhar explico-me melhor a falar do que a escrever, pelo que
espero poder continuar esta troca de opiniões no dia 20 no MNA.
Até lá,
Maria José de Almeida
Presidente da Direcção da APA
Quoting sara cura <saracura@portugalmail.pt>:
> Caros colegas,
>
> A propósito do já aqui antecipado debate sobre a viabilidade de criação de
> uma Ordem de Arqueólogos e com manifestações várias de apoio a esta ideia,
> eu estou em sintonia com o Gonçalo Velho e não creio que seja a Ordem a
> estrutura determinante para a «acreditação e afirmação da profissão».
>
> Embora reconheça que é necessária a existência de uma regulamentação de
> determinadas actividades profissionais que não estejam na total
dependência
> do estado e que possam ter uma auto-regulação, isso não tem de ser feito
só
> por meio da criação de uma Ordem.
>
> E mesmo depois da Lei 6/2008 que supostamente «visa estabelecer mais
> democraticidade interna, mais transparência na gestão, menos
corporativismo
> e menos restrição à liberdade de profissão e à concorrência» (cito Vital
> Moreira), continuo a não ver na criação de uma ordem o caminho mais eficaz
> para a resolução dos nossos problemas.
>
> Não é porque não existe uma Ordem que existe um vazio legal, ou um vazio
de
> fiscalização e regulação. O Estado assume essas competências, e se
isso não
> acontece com a eficácia desejada pela classe profissional, temos vários
> mecanismos legais à nossa disposição para o exigir, nomeadamente através
de
> um sindicato. De resto, intriga-me que uma Ordem ou qualquer associação
> desvalorize e não reconheça profissionais formados em cursos de ensino
> superior homologados pelo Estado. Uma verificação feita a posteriori é
> questionável, até porque existem sistemas de avaliação do ensino superior.
É
> o tal «controlo e limitação da concorrência» que temo.
>
> Certo é que, como referiu a Maria José Almeida, não é «incompatível a
> existência de sindicatos com a regulação da respectiva profissão através
de
> associações públicas de profissionais», mas concordo com o Gonçalo Velho
> quando diz que as vantagens (da ordem) apontadas no documento que nos foi
> facultado, são válidas em estruturas sindicais. Assim sendo podemos ter um
> instrumento que contribua efectivamente para a defesa dos interesses dos
> profissionais, da auto-regulação, mas num quadro pluralista de liberdade
de
> constituição e inscrição.
>
> Olhando para o panorama actual do exercício da nossa profissão, vejo como
> urgente a criação de uma plataforma que defenda e assegure a dignidade das
> condições de trabalho dos arqueólogos, sobretudo dos mais jovens. Dignas
> condições de trabalho, são imprescindíveis para um digno trabalho (não é
só
> a formação que garante a qualidade do exercício da profissão). Isso não
tem
> de passar por uma Ordem, cuja criação, na minha opinião, pode correr o
risco
> de, neste contexto de crise global, estreitar as oportunidades
> profissionais futuras dos arqueólogos.
>
> E já agora em jeito de provocação: nãos nos serve de muito a definição das
> fronteiras de uma profissão, se ela não é socialmente reconhecida.
Importa,
> portanto, também reflectir sobre o nosso papel na sociedade, porque a meu
> ver a arqueologia não é só dos arqueólogos.
>
> Espero que as minhas ideias e provocações possam contribuir para um
debate
> que é da maior importância. Na verdade, só discutindo amplamente os
> problemas é que se encontram soluções, mesmo com divergências entre
nós o
> diálogo plural é o mais profícuo. Espero ver muitos colegas na discussão
> promovida pela AAP e APA.
>
> Abraços a todos,
>
>
> --
> Sara Cura
> Museu de Arte Pré-Histórica de Mação
> Grupo ?Quaternário e Pré-Histórica? do Centro de Geociências, uID73 ? FCT
> mobile +351 96 428 61 44
> http://www.museumacao.pt.vu/
> www.arqueologiaexperimental.blogspot.com
>
> Por favor, imprima esta mensagem apenas se indispensável.
> A impressão gasta tinta, papel, electricidade e aumenta os resíduos.
> Contribua para um AMBIENTE melhor!
>
--
Gonçalo Leite Velho, Phd
Departamento de Território Arqueologia e Património
Instituto Politécnico de Tomar
Campus Quinta do Contador
2300-313 Tomar
Portugal
Telf.: 249328100 ext. 4183
Fax.: 249328136
_______________________________________________
Archport mailing list
Archport@ci.uc.pt
http://ml.ci.uc.pt/mailman/listinfo/archport
--
Gonçalo Leite Velho, Phd
Departamento de Território Arqueologia e Património
Instituto Politécnico de Tomar
Campus Quinta do Contador
2300-313 Tomar
Portugal
Telf.: 249328100 ext. 4183
Fax.: 249328136
*** *******
This message contains information which may be confidential and privileged. Unless you are the addressee (or authorized to receive for the addressee), you may not use, copy or disclose to anyone the message or any information contained in the message. If you have received the message in error, please advise the sender by reply e-mail and delete the message.